22 de abril de 2015
Amor Proibido
Vale do Camprodon, outono de 1427.
Capítulo Um
Ao ver o que tinha acontecido pôs-se a correr montanha abaixo. Pela primeira vez em muito tempo tinha uma missão e nada nem ninguém o obrigaria a recuar.
Ante aquele horror só cabia pedir ajuda, e desse modo convencer os mais céticos. Ainda era um ser útil e sua companhia não só emprestava; também cabia a possibilidade de que, quando recordassem o episódio, associassem sua presença com um golpe de sorte passado ou futuro.
Como a idade não perdoava, com os anos tinha mudado seus costumes. Quando saía a passear pelos arredores da vila, se mantinha ao longo dos caminhos e não se afastava muito das zonas habitadas. Essa manhã, porém, estava seguindo o rastro de um gato selvagem, um dos inimigos mais perigosos com que podia encontrar-se durante suas incursões.
Indo em sua perseguição entrou por entre as árvores. A curiosidade o tinha levado a transbordar o limite da zona que considerava segura e, obedecendo a um instinto irrefreável, tinha abandonado a luz tênue e dourada que iluminava os campos para refugiar-se na persistente escuridão do interior do bosque.
Embora levasse a cabo sua busca ouviu os gritos, muito mais preocupantes que a proximidade do felino. Não se pareciam absolutamente aos ruídos habituais das primeiras horas da manhã. A prova de que o sol começava a iluminar o vale eram os pequenos ruídos entre os matagais ou o canto do galo silvestre, que viajava entre os ramos e podia confundir as percepções.
Em muitas ocasiões via algumas penugens próximas ao dossel; como a que tinha observado dias atrás, com a pelagem levemente escurecida, sinal inequívoco de que logo chegaria o inverno. A neve não demoraria a cobrir a serra e seria mais difícil divisá-los.
Abandonou o bosque para voltar para caminho que, seguindo o rio, conduzia ao Llanars e depois à vila do Camprodon.
Entretanto, antes de alcançar o curso do Ter, tão somente uns passos mais à frente, descobriu a causa da gritaria. Durante uns instantes se manteve a uma distância prudencial. Até lhe pareceu que os fatos eram graves, que devia dar um alerta imediatamente. Então pôs-se a correr atravessando o campo entre árvores e sarças com o fim de levar ao cabo sua missão.
Encontrava-se bastante longe da população e os semeados também tinham ficado atrás. Só os pastores, em busca de alguma ovelha desencaminhada, os caçadores, sempre acompanhados, ou algum viajante que ia de povoado em povoado se atreviam a entrar nas primeiras folhagens do bosque, tal como ele fizera. Mas, agora tinha impregnado nas janelas do nariz o aroma do sangue, uma sensação pegajosa que lhe dificultava a respiração em sua frenética corrida.
Sua pressa por chegar à vila o fez colidiu aos animais que se incorporavam ao novo dia. Outros, como o autillo, ave noturna, encontravam escasso interesse no mundo de luz que despertava e não demoraria para estalar em cores. Advertiu que um deles retornava ao ninho, a fim de proteger-se da claridade e descansar de seu voo noturno, mas nem sequer se voltou para olhá-lo. Já percebia o frescor das águas do rio e não demoraria para ter a seu alcance os campos de cultivo.
Ao chegar a um semeado de cevada acelerou ainda mais sua corrida. Viu as primeiras casas, de camponeses que não tinham encontrado abrigo dentro do povoado e se arriscavam a viver extramuros, com o único benefício da água do Ter, que corria perto. A silhueta da Ponte Nou também se fez evidente, embora ainda meio em penumbra porque o sol acabava de mostrar-se.
A confiança em que alguém prestasse atenção a sua reclamação era escassa, mas de repente lhe veio à mente a imagem de Marc.
Não fazia muito que aquele sacerdote vivia no monastério, e se viram poucas vezes, mas do primeiro momento o tinha tratado muito bem, como se não existisse nenhuma diferença substancial entre ambos.
Os soldados que guardavam as portas da ponte já tinham aberto a passagem. Não teve necessidade de cruzar o rio e seguir os muros em direção norte. Seria muito mais fácil se atravessasse as duas pontes para economizar-se trajeto e em seguida estava na rua da Santa Maria. Os dois homens o viram enquanto esquentavam as mãos em uma pequena fogueira improvisada.
Conheciam-no, e lhes constava que não valia a pena preocupar-se com ele. Só se tratava de um habitante mais do Camprodon e o prefeito lhes tinha repetido muitas vezes que se ocupassem unicamente dos estrangeiros ou os malfeitores...
Veja aqui o vídeo
esse livro foi lindo e triste, mas muito fiel a época.bjs
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