20 de agosto de 2024

O Diabo a Pagar

Série Filhos Perversos

Alto, moreno e bonito, ridiculamente rico e herdeiro de um título. 
Com tantas bênçãos em sua vida, para este Filho Maligno há muito pouco sentido em ser algo mais do que ornamental. Ou pelo menos… é nisso que todos acreditam, mas esse homem tem um segredo. Para um homem em sua posição, se alguém descobrisse que ele é o misterioso autor de “Os Fantasmas do Castelo Madruzzo”, isso o tornaria uma figura ridícula. Seu primeiro romance foi um tremendo sucesso e, embora suas vendas sejam excelentes, ele sabe que nunca recuperou o dinamismo daquele primeiro livro. Seus leitores não parecem se importar e clamar por mais, mas uma certa crítica feminina continua atormentando-o com críticas negativas. De alguma forma, ela adivinhou que ele é um nobre e se deleita em encontrar falhas em seus personagens menos elevados.
Um pouco de tempo disfarçado deve resolver o problema, para provar a si mesmo e à dama que ele não é nada se não estiver comprometido com sua arte.
Uma senhora a ter em conta… Como a mais velha – e única irmã sensata – em uma família sobrecarregada, Selina Davenport está segurando a sanidade por um fio. A última coisa que ela precisa é a presença em sua vida de um nobre privilegiado fingindo ser algo que não é. Como se ela não pudesse dizer de relance que ele não é o jardineiro humilde que pretende ser. O idiota. Isso não quer dizer que ela não esteja preparada para se divertir um pouco às custas dele. Um jogo que sai do controle…Mas quando um objeto imóvel encontra um desafio irresistível, as faíscas devem voar, mas elas queimarão tudo ao seu redor?

Capítulo Um

15 de fevereiro de 1845, Goshen Court, Monmouthshire.
Jules Adolphus, Marquês de Blackstone, espiou pela janela enquanto a carruagem subia pela calçada esburacada e fez uma careta.
— Você cometeu um erro, meu velho. Não pode ser esta pilha de pedras mofadas.
Briggs, um valete muito superior e invejado por todos os homens elegantes da alta sociedade, olhou com seu nariz comprido para seu mestre e deu uma pequena fungada. — Aqui é Goshen Court, garanto-lhe, milorde, e devo lembrá-lo que o avisei sobre como você viveria para se arrepender deste pequeno passeio.
Jules descartou essa observação com irritação.
— Ninguém gosta de um sabe-tudo, Briggs — Jules murmurou sombriamente, olhando pela janela com crescente apreensão. — Inferno e o diabo! Sei que ele disse que o lugar estava uma bagunça, mas achei que estava exagerando.
— Parece que não. Ele provavelmente nem está aqui. — Briggs respondeu, em tom semelhante ao de Cassandra.
Jules olhou para ele. — Pare de ficar de mau humor. Tenho certeza de que sim, e mais especificamente, estamos aqui agora. O interior não pode ser tão sombrio quanto o exterior. Pip nunca suportaria isso. Ashburton gosta de seu conforto.
— É o que você diz, milorde. — Briggs soltou um suspiro pesado, resignado com seu destino, e esperou que um lacaio descesse os degraus.
Como não havia sinais óbvios de vida na casa, Jules abriu a porta, saltou e esticou seus longos membros, que não eram adequados para o confinamento de uma carruagem. Briggs dirigiu-se para a porta da frente com o ar de alguém que sobe os degraus de Tyburn. Batendo os pés, que haviam perdido toda a sensibilidade cerca de dezesseis quilômetros antes, Jules olhou em volta com desagrado. Goshen Court, vista numa tarde gelada de inverno, com o sol já decidindo que era melhor terminar o dia, não era uma perspectiva convidativa.
Briggs parecia não ter sorte na porta da frente, as fortes batidas da aldrava apenas perturbavam os corvos que haviam se empoleirado em um carvalho próximo. Eles subiram ao céu com um grande bater de asas e grasnidos ameaçadores de irritação que provocaram arrepios de mau pressentimento na espinha de Jules.
— O que, em nome de tudo o que é sagrado, Ashburton estaria fazendo, se escondendo aqui nesta velha pilha de merda em ruínas…
Jules parou quando uma figura alta contornou o prédio, seu cabelo loiro platinado se destacando na escuridão crepuscular. Não poderia ser outro senão Ashburton. Se o cabelo não fosse uma revelação absoluta, a altura, os ombros largos e aquele rosto incrivelmente bonito e aristocrático teriam resolvido tudo. Mesmo assim, Jules ainda piscava e olhava, pois nunca em sua vida ele tinha visto o arrogante Conde de Ashburton com um menino louro e sujo empoleirado nos ombros. As botas enlameadas da criança balançavam descuidadamente contra um casaco impecavelmente cortado de uma forma que teria feito Briggs se atirar nas águas mais próximas com gritos de angústia. O que realmente deu uma reviravolta em Jules, porém, e o fez se perguntar se sua última bebedeira movida a conhaque lhe causou mais danos do que ele imaginava foi o canto. Ashburton estava cantando.
Jules ouvira Pip cantar em algumas ocasiões memoráveis, mas apenas quando o sujeito estava bêbado como um imperador, e essas canções certamente não eram adequadas aos ouvidos de bebês inocentes. Mas agora… agora ele não estava gritando uma cantiga obscena para o entretenimento de seus amigos, mas cantando canções infantis.
O que diabos estava acontecendo?
— Pip? — Jules gritou através da considerável extensão de cascalho cheio de ervas daninhas que um dia pode ter sido uma entrada de carruagens.
Ashburton congelou, seus olhos se arregalando de uma maneira que poderia ter sido divertida se o sol poente não tivesse lançado um último raio dourado de luz sobre a paisagem escura antes de desaparecer durante o dia. Brilhava no cabelo louro-claro do Conde e na criança. Jules via agora que era uma menina, encantadoramente bonita, com olhos prateados e brilhantes, a pele mais clara e a extraordinária estrutura óssea que Pip, seu irmão e sua irmã herdaram de seu pai, o Marquês de Montagu.
Jules respirou fundo em choque e falou antes que pudesse pensar. — Cristo todo-poderoso.
Que a criança era de Pip era óbvio demais para ser negado, e não que ele tenha tentado fazê-lo. Ele apenas olhou para Jules com indignação brilhando em seus olhos.
— O que diabos… O que você está fazendo aqui? — Pip exigiu, seu tom longe de ser acolhedor.
Jules ergueu uma sobrancelha. — Vim fazer uma visita ao meu velho amigo e descobrir por que ele ficou tanto tempo enterrado no meio do nada. Mas suponho que tenho uma resposta para essa pergunta.
— Quem é, papai? — falou a menininha, que segurava os cabelos loiros de Pip com mãos pequenas e gordinhas.
— Meu nome é Jules — disse Jules alegremente, aproximando-se e executando uma reverência muito formal para a garotinha. — Estou encantado em conhecê-la, senhorita…?
— Tilly — disse a garota com um sorriso tímido.
— Ah, como sua avó — Jules respondeu, lançando um olhar para Pip, que parecia bastante verde.
Oh, havia uma história aqui e não há erro. O pobre Ashburton foi pego em flagrante e, se Jules pudesse julgar, não contou aos pais. Não que ele pudesse culpar o sujeito; a ideia de contar a Montagu que ele gerou um filho fora do casamento fez Jules suar por Pip. Pobre diabo.
— Abaixo! — exigiu a criança, e então Pip a tirou dos ombros. Ela ficou parada, olhando para Jules, suas pequenas sobrancelhas loiras franzidas. — Jules?
— Sim, sou eu.






Série Filhos Perversos
1- O Diabo a Pagar


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