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7 de maio de 2018

Lady Encanto

Lady Claudia Harlow vê o mundo através de uma miopia que oculta aos demais. 

Nessa forma de olhar um tanto distorcida, talvez esteja aquilo que a distingue, que a aproxima a um mundo de fantasias. Conhecida como lady Encanto, título honorífico da regente mais jovem do Almack’s, o mais famoso salão de Londres, esse mundo de sonhos se projeta na senhorita Harlow e a transforma no árbitro da elegância da cidade. Junto a outras damas, decide quem está na moda e quem não; quem deve ser convidado a uma festa e quem pode oferecer festas; qual evento é digno de ser visitado e quais não. Na inocência desse mundo próximo da miopia há também uma suspeita de crueldade. Por outro lado, lady Encanto, como qualquer jovem dama da sociedade, procura um homem com quem possa se casar. Apesar de conhecer de memória o proceder mundano dos salões, sonha com um cavalheiro tão impetuoso e distante quanto apaixonado por ela, soberbo e atento até o mínimo detalhe. O que acontece, no entanto, fora dos bailes e dos salões? Com esta pergunta, Adriana Hartwig parece pôr à prova o templo de nossa heroína. O que acontece sem aqueles que, quando rejeitados, decidem se vingar, tornando a vida impossível? Triunfa a miopia do mundo fechado, perfeito, ilusório? Ou triunfa a lama real, das ruas desabitadas, dos perigos cotidianos?
Com esta adorável novela, com esta intensa história de amor, Adriana Hartwig nos apresenta um personagem singular, uma jovem atrevida que compreende, finalmente, que ser fiel a maneira – míope ou não – proporciona ver o mundo de modo a escapar de qualquer convencionalismo.

Capítulo Um

Castelo de Windsor, Berkshire, Inglaterra, 1824. Uma sombra deslizou sob a azulada penumbra do corredor e se deteve um instante junto às escadas que conduziam à biblioteca. Alguém havia aberto os elegantes cortinados cor de damasco das janelas antes do amanhecer, enquanto a lua ainda iluminava grande parte dos campos adjacentes à residência real. Através das amplas janelas de madeira e ferro forjado da ala este do castelo podia divisar as escuras nuvens carregadas que assediavam o horizonte. Um pouco além, para o Sul, ainda era visível a miríade de estrelas que, talvez antes do alvorecer, desaparecessem sob a escuridão que precede uma tempestade. A sombra jogou uma rápida olhada ao seu redor, desceu as escadas e empurrou a porta da biblioteca rogando que suas dobradiças não rangessem. Lady Claudia Harlow sorriu com malícia, satisfeita. Conseguira enganar a vigilância de sua instrutora. Com aquele travesso sorriso ainda lhe curvando os lábios, acendeu uma vela. A débil luminosidade clareou seu rosto, abrilhantou o olhar e conferiu reflexos acobreados aos seus cabelos castanhos. — Muito bem. — Murmurou. Claudia se virou e observou o aposento tentando distinguir algo na penumbra. Umas rosas brancas adornavam o beiral da janela, e a luz da lua se refletia com suavidade sobre a lustrosa superfície do piano, e iluminava as velhas partituras Lady Encanto – Adriana Hartwig 6 que alguém havia esquecido de guardar, enquanto o resto do mobiliário permanecia afundado na obscuridade. — Apresse-se. Claudia deixou a vela de lado, sobre a escrivaninha, e se dirigiu para uma das estantes que cobriam as paredes, em busca de um livro para ler. Sabia que o rei Jorge IV tinha uma importante coleção de novelas que, segundo os comentários de sua última amante, uma excêntrica aristocrata londrina, só poderiam ser interessantes com uma garrafa de uísque na mão. A jovem esperava que aquela mulher estivesse certa, porque necessitava conciliar o sono e a única forma de fazê-lo, pensava, era adentrando-se nas páginas de um livro que dificilmente conseguiria suscitar algum interesse nela. Claudia estremeceu quando uma rajada de vento deslizou por baixo da porta e arrastou consigo o frescor da noite. Esfregou as mãos contra os babados que enfeitavam seu roupão; embaixo só tinha uma delicada camisola de seda e rendas que, mesmo sendo uma peça muito linda, elaborada a partir dos maravilhosos desenhos de uma das modistas mais importantes de Londres, jamais conseguiria protegê-la do frio invernal. Sentiu as mãos geladas, os pés insensíveis, o ar gélido nas bochechas, e tiritou. Pensou que deveria se apressar se não desejasse terminar sua visita a Windsor com uma pneumonia. Fez um beicinho e com um suspiro arrastou um banquinho que se encontrava junto à janela, até a parede e se empoleirou sobre ele nas pontas dos pés. Em vão tentou alcançar um dos livros encadernados em couro de cabra na estante superior. Resmungou algo entre dentes, contrariada, esticou os dedos e tocou o lombo com a ponta das unhas. Quase alcançava seu objetivo quando a porta da biblioteca se abriu e Jorge IV atravessou o umbral, alheio a sua presença.