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27 de abril de 2018

Uma Terra Ocupada

Julho de 1808: as tropas francesas ocupam a Espanha. 

Inés de Mendívil, que odeia os franceses, deve mudar para Vitória, uma cidade tomada pelo exército. E, embora ao conhecer Adrien Labat, o médico francês que seus tios hospedam, descubra que não é ódio o que sente por ele, está disposta a se envolver tanto quanto necessário para que os invasores se retirem. 
Ocupado na organização hospitalar, a última preocupação de Adrien deveria ser a sobrinha de seus anfitriões. Mas quando a jovem desperta as suspeitas de um general francês, ele é forçado a tomar uma decisão sobre ela. Uma decisão que se volta contra ele quando Inés salva sua vida e a incipiente atração que sentem se transforma em algo mais intenso. 

Capítulo Um

Aclama, Espanha, 11 de julho de 1808. 

― Ouçam, ouçam, ouçam! A voz enérgica que cumpria o protocolo elevou-se acima dos presentes como o teria feito um corvo negro, atraindo a desgraça sobre a terra. Involuntariamente, Inês estremeceu. Deu um passo para trás e se apertou contra o pilar do arco que dava entrada à praça nova. Quase podia sentir em si mesma a fúria e a humilhação que agitavam seu tio, lá sentado no palanque junto ao deputado geral e outros procuradores, depois de ter sido conduzido até ali como um delinquente vulgar, escoltado por duas filas de soldados armados com as baionetas em riste, portando tochas acesas, através da rua Ferraria, o Mentirón e a praça velha, em um desfile solene e lúgubre como um enterro. Envolveu o xale ao redor de seu corpo como se o suave tecido pudesse lhe oferecer algum conforto, e dando uma olhada para ambos os lados, passou entre os pilares até que encontrou um lugar discreto. Ela não deveria estar ali, mas ninguém olhava para ela, apesar de a praça estar cheia de soldados franceses com as armas preparadas para sufocar qualquer rebeldia. Ninguém a olhava, porque toda a guarnição e os muitos cidadãos que se aproximaram tinham o olhar
fixo no tablado levantado no meio da praça, onde o deputado geral e os procuradores da província, a ponta da baioneta, estavam a ponto de proclamar ao José Bonaparte1 rei da Espanha. Apoiou um momento a têmpora sobre a pedra, desejando com todas suas forças que acontecesse um milagre. Mas já a vários minutos sabia que era impossível; desde que o deputado geral, Dom Pedro Echevarría, tinha feito o protesto da Junta sobre a violência de que era objeto, acrescentando que só por força maior faria essa proclamação. Então dois dos procuradores tinham recolhido a bandeira carmesim e os galhardetes2 brancos que ondeavam nos balcões da prefeitura, sem um só olhar para o dossel que cobria o retrato do José Bonaparte, e ela tinha compreendido que todas suas esperanças eram em vão. Agora o damasco amadurecido se esticava entre as mãos do deputado geral. O silêncio da praça, transbordando de gente que não ousava fazer nenhum movimento, era assustador. Inês olhou fixamente no rosto tenso de Germán de Mendívil, esperando escutar a proclamação que encerraria aquele pesadelo. ― Álava, Álava, Álava! ― A voz de Pedro Echevarría, grave e alta, retumbou entre os arcos do lugar ― Longa vida ao nosso rei e senhor, José Bonaparte I. Viva! O movimento do tecido, ondeando a esquerda e direita, atraiu a atenção de Inês, enquanto o grito do general Merlín ― Viva! ― repetiam-se no acento estranho daqueles a quem os habitantes do país tinham recebido há meses como amigos e que agora mostravam o verdadeiro rosto de sua chegada.
Com o eco daquele grito ressoando em seus ouvidos, Inês fugiu antes que os soldados rompessem a formação, tentando apressar-se para voltar para a casa de seu tio. Mas a urgência por abandonar a praça parecia acometer a multidão, e no arco de saída os empurrões e cotoveladas se fizeram inevitáveis.