Mostrando postagens com marcador O Despertar de Belle. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador O Despertar de Belle. Mostrar todas as postagens

19 de agosto de 2018

O Despertar de Belle

A plácida vida de Caroline-Marie Du Berry, jovem e travessa condessa de Chambord, está a ponto de ficar de pernas para o ar. 

Órfã de mãe, criada por um velho conde antissocial e dedicado à caça, Caroline é algo selvagem para sua posição e não entende porque deveria dançar e ter boas maneiras, por isso a ideia de ter um novo professor que a instrua em matérias intelectuais a horroriza e pretende zombar dele à sua chegada. Caroline não sabe que cairá nas redes do amor e da paixão com o jovem, bonito e inteligente professor espanhol contratado por seu pai, um nobre de baixo nível, arruinado, em busca da salvação do patrimônio de sua família. Marco tampouco imagina tudo o que lhe espera na França: mulheres libertinas, bailes, segredos, assassinatos e uma jovem aluna algo rebelde.
Os libertinos Madame Dupin e seu amigo e amante, o bonito modelo de artistas e cientista Denis Papin, serão as piores influências dos dois jovens, levando-os, sob a máscara de preceptores, a uma rede de enganos, mentiras e sensualidade.

Capítulo Um

Vale do Loire ou dos Reis, França - ano 1745
Diário do barão Marco De Gaula

Nunca havia me sentido tão humilhado como naquele dia. Tudo começou quando meu bom amigo Jean-Édouard Du Berry, conde de Chambord, pediu-me o favor pessoal de ir à França, nosso país vizinho, com o fim de educar à sua jovem filha nas matérias que estávamos acostumados a debater em nosso seleto e secreto clube. Naquele mesmo dia, a dama completaria dezessete anos e poderia unir-se a este, tirando-me a honra de ser o membro mais jovem.
— Pode ser que ache a minha querida filha algo selvagem, cher ami. Desde que morreu minha esposa, deixei de exigir as boas maneiras — tinha-me advertido Édouard.
Nenhum prazer supunha para meu pai que um filho dele, um portador de seu “ilustre sobrenome”, tivesse que ver-se rebaixado daquela maneira, próprias palavras. Isso lhe parecia o fato de trabalhar para outros. Mas a precária situação econômica pela qual atravessava minha família, depois de uma larga rajada de maus investimentos e empréstimos não devolvidos, tinha-me levado a aceitar aquele trabalho.
Não havia escolha. Por outro lado, meu entusiasmo juvenil e minha utópica crença de que as coisas podiam mudar me faziam sentir a vocação por transmitir ideias. Nossas ideias. Ia converter-me, à minha curta idade, vinte anos recém-cumpridos, em professor.
Ao contrário de meu pai, barão De Gaula, eu não encontrava nada negativo em trabalhar, como dizia ele: “como os pobres”. Mas, sobretudo, aquele emprego era uma grande oportunidade para ir às reuniões clandestinas dos membros franceses de nosso clube. Tão libertinos, tão avançados em ideias, tão amantes do luxo e dos prazeres, tão… interessantes. 
As reuniões, perigosas e ilegais, eram organizadas no château de Chenonceau. Madame Dupin, a encantadora anfitriã deste castelo, disfarçava-as sabiamente de inocentes “lanches”. Madame Dupin: famosa, diziam, não só por sua beleza e sua generosa hospitalidade, mas sim por sua secreta defesa da filosofia e das ciências. “Todos deveríamos as estudar para compreender o mundo no qual vivemos”, havia-me dito em uma de suas cartas, “incluídas as mulheres”. 
Que ânsia sentia por conhecê-la! Embora eu não fosse dos que se entusiasmavam facilmente com qualquer mulher, seu compêndio de qualidades me obrigava a subi-la a um idílico pedestal.
Madame Dupin estava casada e eram uns vinte anos mais velha que eu. Embora, também, conforme me contavam na França nenhuma das duas coisas supunha um impedimento para levar a cabo qualquer tipo de caso. 
De fato, era a partir de que uma mulher estivesse casada que começava sua verdadeira vida social, sua liberdade e o álibi de ter um marido a que atribuir qualquer paternidade. Mesmo assim, eu não albergava mais esperança que sua amizade.
Eu, calejado em letras e ciências, amigo de homens e mulheres do mundo, aos meus vinte anos eu quase não via isso. Tinha a teoria, mas não a experiência. E, recém-saído da lúgubre e dissimulada Espanha, estava desejoso por conhecer a França e seu liberté.
Mas esse dia, o dia da minha chegada ao castelo de Chambord, viu-se abafado. Gravemente abafado.
Tinha viajado da Espanha somente acompanhado pelo Manuel, o velho cocheiro da família. Uma escolta contra os assaltantes de caminhos tinha sido um luxo que não havia podido me permitir. 
Mesmo assim, toda a viagem tinha transcorrido quase sem incidentes, já que sempre tínhamos seguido a esteira de outras carruagens e caravanas. Mas o último lance até Chambord ninguém mais o compartilhava. Todos receavam quando lhes comunicávamos nosso destino, como se sobre as terras de meu amigo, o conde, pesasse um mau presságio. 
Inclusive houve mulheres nos povoados e nas carruagens do caminho que se benzeram quando nomeei “Chambord”, como se assim espantassem algum tipo de demônio ou alguma classe de maldição. 
Diziam expressões, ao ouvi-lo, que minha boa mãe cristã tivesse expressado como: cruz credo, para assim afastar o mal. 
Assim, logo ficamos na mais absoluta solidão, naqueles verdes e amaciados atalhos franceses.
O mapa refletia que o caminho até o castelo dava um grande rodeio, rodeio que se podia evitar usando os atalhos que atravessavam o bosque. Mas o conde tinha-me desaconselhado com grande ansiedade a cortar desta forma. 
Lia em suas veladas palavras um perigo iminente que no bosque habitava. Podia ser aquilo pelo que nossos companheiros de viagem se benziam, mas que ninguém nomeava. Um perigo que, fora qual fora, parecia pior opção que enfrentar-se a um bando de assaltantes.
Assim, a poucos quilômetros de nosso destino, tinha acontecido o inevitável: um grupo de quatro jovens tinha emergido da solidão e do silêncio para nos desapropriar da carruagem, da bagagem e do pouco dinheiro que levava comigo. Manuel e eu, um pobre velho e um homem de letras e de paz, logo opusemos resistência. 
Uma parca resistência: nossas mãos nuas contra suas quatro compridas e afiadas facas. Sorte tivemos de acabar virtualmente ilesos; apenas com o cabelo desgrenhado e as camisas feitas farrapos. As casacas e os sapatos tinham levado também. Graças à enorme pressa com que pretendiam acabar, conseguimos ficar com as calças, felizmente.