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1 de junho de 2018
Perdi-me em seu olhar
Rosslyn Caird, filha de um prestigioso nobre de Kirkwall*, chegou com doze anos ao condado de Caithness, no norte da Escócia, para ser educada pela família do seu futuro marido, Lord James Sinclair, terceiro filho do conde de Caithness, com a intenção de se tornar numa esposa digna, como parte do acordo entre as duas famílias para fortalecer a sua união e a férrea lealdade ao poderoso clã Sinclair.
Ambos os jovens são a moeda de troca perfeita para satisfazer os interesses políticos, famíliares e sociais dos que lhe são próximos, mas eles, duas personalidades muito fortes e muito opostas, não conseguirão harmonizar a sua vida, nem serenar o seu carácter, e só conseguirão precipitar o seu peculiar casamento até ao abismo.
Um grande equívoco cercado por conspirações, fraude, más decisões, falta de comunicação e um excessivo orgulho contribuirão para quebrar, ainda mais, o seu incerto futuro.
Capítulo Um
Condado de Caithness, Escócia, outubro de 1610.
Rosslyn Sinclair levantou a vista e olhou a sua sogra de lado. Moira, com o cenho franzido, tirou-lhe de um puxão as roupinhas do bebê e a entregou a uma de suas mulheres para que se ocupasse dela. Mesmo tendo passado uma semana inteira lavando, passando e deixando-as perfeitas dentro de seu baú com sachês de lavanda para que cheirassem bem, a dama descartou seu esforço, como sempre ocorria, e mandou lavar e passar as valiosas peças da família outra vez, com gesto grosseiro e amaldiçoando baixo.
— Estão ruins, milady?
— Poderiam estar melhores, jovem, e agora sente-se, não quero que meu neto nasça de pé.
— Como disse?
— Sente-se, Rosslyn, ou vá para seus aposentos, faça o que lhe agradar, mas deixe de passear na minha frente como um fantasma!
Rosslyn ergueu os ombros e respirou fundo engolindo as lágrimas, olhou com o queixo bem alto para as criadas de sua sogra, que a observavam com cara de zombaria, engoliu a saliva, se virou e caminhou depressa para seu quarto, o único lugar daquele castelo onde ninguém entrava para lhe chamar a atenção. Ninguém salvo James, claro, James Sinclair, seu brilhante marido, que também não fazia grandes esforços para ser amável com ela.
— Malditos todos. — Murmurou subindo as escadas.
Entrou no dormitório e fechou a porta com um golpe seco antes de se virar e admirar como estava organizado; tudo em seu lugar sem a presença de James, que era igual um cavalo desembestado, sem cabeça nem sentido comum para respeitar o trabalho dos outros, ou a ordem. Caminhou para a grande cama e alisou a colcha de crochê que terminara de fazer.
Era linda, estava muito orgulhosa dela porque lhe dera muito trabalho, mais de um ano de árdua tarefa, ainda que nem mesmo seu marido tivesse percebido. O que era lógico, em uma casa onde ninguém notava sua presença, pois não era uma Sinclair, não pelo menos uma de verdade.
Os Sinclair procediam da localidade luxuosa de Saint-Clair-sul-Elle, mas tinham chegado a Escócia no século XII, concretamente no ano de 1162, quando Henry de Saint-Clair de Roslin e sua mulher, se estabeleceram em Lothian ao conseguirem terras e feudos que lhes permitiram alcançar uma posição mais que desafogada na ilha, entre eles o condado de Orkney, que os próprios reis do mar do norte lhes cederam.
No ano 1455 Henry Sinclair, terceiro conde de Orkney, recebeu da coroa escocesa o condado de Caithness e fundou a capela de Rosslyn em 1456, e então era um dos senhores mais poderosos, ainda que em 1470 o conde foi obrigado a ceder Orkney ao rei Jacobo III em troca do castelo de Ravenscraig em Fife. Uma perda muito injusta e motivada, conforme tinham explicado a Rosslyn, pelos ciúmes que o rei sentia do poder de Sinclair no mar do norte.
Aquela questão política fora um desastre para a família Sinclair e o próprio conde, ainda que muitos anos depois provocasse também um drama para outra pessoa, a própria Rosslyn Caird, natural de Orkney, segunda filha de Ard Ghillean an-thighe, um nobre escocês do norte leal ao Clã Sinclair, que a dera em casamento, aos doze anos de idade, ao terceiro filho de Henry Sinclair, James, um rapaz forte, valente, briguento, incontrolável e muito bonito para ser um bom marido, diziam todos, com a intenção de afirmar a aliança com os Sinclair e de passagem satisfazer o conde de Caithness, que sonhava com seu antigo feudo e que pretendia através daquele casamento se perpetuar nas Ilhas.
Claro a ela ninguém perguntara sobre seus desejos a respeito, ninguém, e então se limitou a obedecer como correspondia a uma dama de sua classe, ainda que fosse apenas uma menina. Deste modo, aos doze anos, a arrancaram-na de sua casa e de sua família e a levaram até Caithness para viver e aprender com sua nova família, transformarem uma grande senhora e, sobre todas as coisas, satisfazer ao seu futuro marido, um esposo que a ignorava e a olhava de esgueiro e com desconfiança.
Desde que se comprometeram, há quatro anos, quando ele se apresentara em Kirkwall com um pequeno séquito para recolhê-la, mal se suportavam. Naquele momento se reuniram no salão principal de sua casa e James, com seus cabelos cor de cobre escuro, os enormes olhos cor de água-marinha e sua imponente estatura, mostrava tal desprezo, que Rosslyn prometeu a si mesma, que nunca, no tempo que lhe restasse de vida, mostraria fraqueza por aquele homem, ou apreço, e muito menos amor, e o cumpria rigorosamente, ainda que secretamente, seu ingrato coração se empenhava às vezes em contradizê-la.
Casaram-se quando James tinha dezoito anos e Rosslyn completara quatorze, seis meses depois de sua primeira menstruação, e lhes custara ainda outro ano inteiro, conceber seu primeiro filho. Sua sogra, Moira, que não a apreciava em absoluto, murmurava o desgosto diariamente, até o feliz dia em que o cirurgião da família lhes confirmou, com a graça de Deus, que a jovem esposa estava grávida e que o menino nasceria em princípios de janeiro.
Um mês frio, mas perfeito para um Caird, que eram rudes e resistentes às baixas temperaturas, pensava Rosslyn com ilusão, ainda que calasse o comentário para evitar reprimendas, porque cada vez que recordava sua terra ou a sua família, sua sogra e cunhadas lhe recordavam que ela era uma Sinclair e que tudo o mais sobrava.
— O que faz? — Gritou e se levantou de um salto ao ver James entrar como uma fúria no quarto. Às suas costas vinha Beth, sua donzela, e ele ignorou a pergunta lançando-se como um possesso a revirar seus baús e suas coisas com as duas mãos, jogando tudo pelo ar.
— James Sinclair! Que demônios está fazendo?
— Onde está? Onde a escondeu?
— Escondi o quê?
— A maldita espada!
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