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24 de abril de 2018

Vitória



No final do século XIX a Inglaterra transbordava modernidade. 

Os novos meios de produção chegados com a Revolução Industrial transformaram o país e modificaram a vida cotidiana das pessoas: trens para viajar, jornais para informar-se e um arsenal de objetos novos começaram a integrar-se em uma sociedade receptiva. Também nesse dinamismo continha classes sociais, a migração do campo à cidade em busca de trabalho e uma nova dinâmica de ascensão econômica. Mesmo assim, com tantas modificações, a moral vitoriana manteve a mulher em um plano quase decorativo. As viúvas da época não podiam deixar o luto por dois anos nos quais deviam permanecer encerradas em suas casas com as janelas muradas sem receber visitas masculinas de nenhum tipo. Nem sequer logo depois da morte do marido as mulheres podiam dispor do próprio corpo à vontade. Victory Brandon é uma moça de vinte anos que esteve casada com o erudito barão de Lovelance. A diferença de idade e o fato de não ter eleito essa união fizeram com que, para ela, o matrimônio não tivesse a ver com o desejo. Mas não podia dizer que não tinha havido companheirismo e afeto. Viúva recente, rica de repente, Victory deverá enfrentar o rigor do luto para evitar a condenação social, para evitar que a chamem de "viúva alegre". Entretanto, seis meses de reclusão a empurram a embora. Ela é apenas uma moça que deseja conhecer o mundo exterior. Então viajará a Londres e lá conhecerá a dupla moral que rege a sociedade vitoriana: bailes de máscaras cheios de erotismo e traição, relacionamentos extraconjugais, nobres à procura de um matrimônio vantajoso. Também nessa viagem conhecerá o desejo e deverá confrontá-lo para poder chegar a ser a mulher que quer.
Alexandra Risley pinta um afresco de uma época cheia de contradições, em que as mulheres devem lutar para fazer um lugar em uma sociedade não preparada para as aceitar.


Capítulo Um
Aos olhos da sociedade britânica, Lucious McLean, o barão de Lovelance, foi um autêntico exemplo de homem virtuoso. Suas inestimáveis contribuições à ciência moderna, suas esplêndidas obras para os mais desafortunados e uma conduta absolutamente irrepreensível mantida por mais de seis décadas assim o demonstraram. Célebre desde seus primeiros anos como estudante de engenharia, física e matemática, o gênio escocês tinha alcançado a fama e o favor da Academia graças aos seus descobrimentos no campo da eletrônica e da termodinâmica, ciências que constituíam um enigma para a maioria dos homens, mas cujos progressos os tinham beneficiado excepcionalmente na construção de navios de propulsão a vapor e de trens mais rápidos, estáveis e eficientes. Suas inumeráveis publicações repletas de notáveis teorias sobre o aperfeiçoamento dos meios de transporte de grande distância e sua assessoria a empresas do ramo renderiam-lhe mais tarde uma fortuna considerável. Quem o conheceu se referia ao McLean como um verdadeiro fogaréu andante; um homem bondoso, engenhoso ao extremo, piedoso e excêntrico como todos os grandes homens da história, mas acima de tudo isso, justo. Não demorou muito tempo para que McLean fosse recebido pela própria rainha Vitória e o príncipe Albert para compartilhar conhecimentos e deleitá-los com um inestimável gênio que, segundo palavras de Sua Majestade, tinha sido concedido pelos anjos. Em gratificação por toda uma vida de contribuições incontáveis à ciência, a Rainha o honrou com a baronia de Lovelance. Como afirmado por alguns acadêmicos que conheceram mais a fundo o alcance de suas contribuições, McLean conseguiu levar a física à sua forma moderna, impulsionando com isso o ingresso da humanidade a um prometedor futuro, condicionando uma época e deixando um claro selo de esperança para os tempos vindouros.
Por estas e muitas razões mais, lorde Lovelance alcançaria um espaço privilegiado nas alturas. Muitas razões que ninguém além de Victory Brandon chegaria a compreender jamais. Ali, em frente ao seu monumento funerário na gótica cripta familiar dos McLean, a moça de vinte anos totalmente vestida de negro contemplava a inscrição daquele nome com gesto solene enquanto as implacáveis gotas de chuva trovejavam sobre o guarda-chuva. Era um domingo de abril, o terceiro depois da morte do barão vítima de uma enfermidade que por anos o tinha mantido afastado da vida pública. Após, as coroas de flores não tinham parado de chegar à Lovelance Manor, a residência nas Terras Altas da Escócia onde tinha passado os últimos anos de vida, e os jornais não deixavam de falar do lamentável falecimento de uma das mentes mais brilhantes do século.