11 de agosto de 2018

Casualmente Valentina

A vida sorri a Rafael Mejía.

Ele é um homem bem sucedido, jovem, atraente e arrogante, e acostumado a conseguir o que quer em um piscar de olhos, tanto nos negócios como no prazer.
Valentina, a humilde serva de uma estalagem de reputação duvidosa, será sua próxima vítima. Uma garota tão doce como linda por quem se sente atraído sem esperança, a ponto de fazer dela a principal candidata para ocupar sua cama, sem imaginar que seus problemas começarão com ela. Para Valentina, a aparência impressionante de Mejia causa um enorme cataclismo em sua vida pacífica. Determinada a não sucumbir ao enorme encanto que ele exerce sobre ela, vai lutar contra seu apelo sombrio da única maneira possível: conquistar o coração duro que ele presume não possuir.
Dos salões luxuosos do Casino de Benavente ao coração escondido da Serra da Culebra, Valentina seguirá Mejia numa jornada cheia de perigos e sombras dos quais Rafael a tentará distanciar, mas poderá eludir com a mesma força o poder do amor?

Capítulo Um

Pousada de Adela, arredores de Benavente, Zamora,
finais de agosto de 1886

Rafael Mejía abriu os olhos, antes de esfregar o rosto para se orientar melhor. Onde estava? Pigarreou e se ergueu na cama até pousar os pés no chão. Quando a luz da lâmpada lhe permitiu ver os austeros e escassos móveis do aposento, recordou rapidamente. Por todos os demônios!
Como dormira tão profundamente? Soltou um palavrão. Ramona, uma das atenciosas jovens da pousada, lhe cedera satisfeita aquele quarto para descansar, mas o breve intervalo se convertera em um profundo sono do qual acabava de despertar.
Aproximou-se do espelho, mas quase retrocedeu, assustado pela imagem que viu. Jesus, que grande aspecto! 
Com os cabelos castanho revoltos, o rosto coberto por uma sombra escura de barba e os olhos ainda meio fechados, acabava de pulverizar a imagem que mostrava a toda a vila: um homem atraente, elegante e distinto. 
Embora, pelo menos por aquela noite, teria que se contentar em se lavar um pouco com a agua da bacia antes de tentar em vão alisar as calças e as rugas da empoeirada camisa, para abandonar o quarto com passos apressados.
O ambiente do salão principal da pousada estava tão carregado de fumaça que seus olhos começaram a lacrimejar. Um conjunto ensurdecedor de vozes era dos mais variados tipos, indo desde as risadas dos clientes até os gritos de alguma discussão provocada pelos jogos de baralho e o excesso de vinho, observações obscenas e até exclamações reprovadoras quando algum aborrecimento inoportuno passava dos limites. Sua amiga Adela desfrutava de um espetáculo cheio naquela noite.
Rafael se dirigiu ao balcão, devolvendo o cumprimento a dois Civis, vestidos a paisana e parados junto a porta lateral que dava acesso ao pátio traseiro. 
Depois, centrou sua atenção na jarra repleta de vinho que Ramona lhe serviu, com seu habitual atrevimento e os seios gloriosos que balançou diante de seu olhar indiferente, antes de se dirigir a uma solitária mesa em um canto igualmente solitário. Aquilo era o que necessitava para poder analisar seu plano no pouco tempo de que dispunha. Claro que nem todos pensavam como ele. Adela o viu desmoronar sobre a cadeira e consultar seu relógio de bolso, antes de começar a beber. Assumindo a pressa que lhe nublava o gesto, pediu a Ramona um copo e se dirigiu para lá, suportando seu olhar assassino enquanto se sentava.
― Meus olhos ficam felizes em te ver, Mejía. ― Cumprimentou, quase gritando para se fazer ouvir. ― Fazia muito tempo que não se deixava cair por aqui.
Rafael começou a resmungar. Avizinhava-se outra conversa das suas, fingindo uma luta através da qual recriminaria todos seus atos passados, presentes e futuros. Sempre tinha sido assim entre eles, apesar de seus encontros se espaçarem irremediavelmente no tempo.
― O trabalho tem me ocupado além do esperado. ― se desculpou.
― Descansou bem?
― Muito bem, para ser exato. Até me esqueci de descer para cumprimentá-la.
― Claro… ou será que a baronesa Guzmán lhe deixou por fim livre e por isso anda tão distraído?
O novo resmungo foi mais audível e menos resignado.
Sua fama tornava muito difícil manter discrição em uma vila como Benavente, onde os rumores corriam como a pólvora. Ele e seu amigo Santiago Canales se converteram em autênticos heróis locais desde que, há alguns anos, prenderam um anarquista demente que pretendia voar dos vagões lotados de trabalhadores da baronesa, com uma boa carga de explosivos no meio do caminho.
Aquela posição, vantajosa para muitos, não era tanto para ele. Custara-lhe a privacidade, sobretudo quando o nome da baronesa se misturava ao seu. E tudo porquê? Pelo empenho de certas pessoas em ver sentimentos complicados onde não havia. Para ele, seu coração era o órgão que batia dentro de um espetacular corpo, nada mais. Até mesmo a baronesa tinha percebido, antes que a tomasse por uma amante muito pegajosa. Não teve que convencê-la que seu interesse sexual se convertera em simples carinho, nem lidar com lágrimas e gritos, para sua tranquilidade. Não era a primeira vez que deveria suportar cenas difíceis, para dizer o mínimo.
― Não tenho vontade de falar sobre o assunto. ― Disse secamente.
― Mas vai falar de todo modo. ― Adela insistiu. ― Está muito tenso para não ceder a uma conversa sem importância com uma boa amiga.
― Suas conversas sem importância nunca são sem importância, embora a agradeço. Agora o Flaco ocupa toda minha capacidade de atenção. Aquele maldito contrabandista está me tirando o sono.
― Tanto como antes o tirava a baronesa.
― Quer abaixar a voz? ― Ele advertiu, inclinando-se para frente. ― Nunca foi minha intenção destruir reputações alheias, e a de Claudia menos ainda. Para esta vila, minha relação com ela sempre foi estritamente profissional.
― Por favor! ― Adela exclamou com seu atrevimento habitual. ― É a pessoa mais reconhecida e respeitada de Benavente, tão influente como ela. Garanto que todos comemorariam o seu casamento.
Casamento! 
Rafael decidiu terminar o vinho de um só trago para sufocar o espanto que aquela palavra lhe produzira. Não podia evitar sentir calafrios ao ouvir aquilo.
— Com que alegria joga o laço sobre os pescoços alheios. ― Protestou ― Não me convém as algema de nenhum tipo. Corro muitos riscos em meu trabalho.
Tem muita gente para correr esses riscos por você. 





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