Odín, deus da guerra, tinha-o eleito.
Educado nas armas, o viking e semideus Ishkar, primogênito da casa de Vadin, estava destinado a realizar grandes conquistas.
Sayka, filha de Zollak, e Cristã, tinha tomado as armas em substituição de seu irmão menor para defender a seu povo de toda classe de invasores.
Enfrentados entre si, a cobiça, o ódio, a vingança…
Unidos a ardente fé do povo ao qual pretende submeter, conseguirão que Ishkar duvide de sua condição de semideus e de suas crenças.
Capítulo Um
«Vêm do norte, hostil e frio.Saqueiam os mosteiros, aniquilam os povos e profanam as Igrejas…»
A proa do navio, em forma de pescoço de cisne, elevava-se quase cinco metros por cima da água. Coroada pela feroz cabeça de um dragão, parecia disposta a enfrentar de igual maneira aos ventos ou às enfurecidas ondas, e fulguravam os arranjos sob o sol de meio-dia. Ishkar não pôde dissimular um sorriso satisfeito observando a nave. Com a vivacidade de um golfinho, os mais de vinte e cinco metros de comprimento do navio sulcavam o mar aproximando-os de seu destino. Um destino que tinha uma missão muito concreta: negociar ou invadir; tudo dependia dos ingleses e a favor de quem estivessem.
Em fevereiro de 1014 Knut de Store, mais conhecido pelos ingleses como Canuto o Grande, depois da triunfante invasão à Inglaterra um ano antes e o falecimento de seu pai, tinha sido proclamado rei pelas tropas dinamarquesas. Ethelredo II, entretanto, tinha aproveitado sua volta à Dinamarca para fazer-se com o trono. Ainda não tinham cessado as escaramuças e a Inglaterra se encontrava dividida em dois bandos opostos. Vadin tinha acompanhado a Canuto em algumas batalhas, era um de seus homens de confiança e gozava de seu beneplácito, mas doente como se encontrava nesses momentos delegou em seus dois filhos a incursão que lhe tinha sido encomendada.
Ishkar tinha no drakkar trinta homens sob seu comando, e um número similar em cada uma das outras naves que lhe seguiam. Agora, apoiados nos remos, tomavam uma pausa depois da fatigante e ocupada jornada do dia anterior, em que o vento não lhes tinha acompanhado, lhes obrigando a impulsionar a nave a golpe de remo. Naquela manhã, todas as velas estavam cheias e eles podiam descansar.
A madeira de pinheiro da ponte rangeu sob o peso do homem que se aproximou até ele. Se não lhe conhecesse, esse saco de músculos teria feito que fraquejasse; Goonan o ultrapassava em uma cabeça, seus ombros eram largos, seus braços poderosos troncos de aço, suas mãos grandes como maças e capazes de amassar o crânio de um homem sem esforço algum. Tudo em seu aspecto dava amostra de ferocidade e intimidava. Entretanto, seus olhos azuis olhavam Ishkar com afeto.
Uma de suas mãos caiu sobre o ombro esquerdo do mais jovem, sacudindo-o.
― O vento é hoje nosso aliado, Ishkar.
― Certo. Logo chegaremos à costa; Erik deve estar nos aguardando impaciente.
― Terá conseguido suficientes cavalos?
― Conte com isso.
Goonan fez um gesto vago e se encostou á amurada. As ondas, ao romper contra o casco da estilizada nave, salpicaram seu rosto; o ar enredou ainda mais seu avermelhado cabelo e acariciou sua espessa barba.
― Nunca gostei de me fazer de babá.
Ishkar jogou a cabeça para trás deixando escapar uma gargalhada.
― Goonan, Erik não a necessita.
― Ele teria gostado de chegar às costas inglesas sozinho e fazer o que seu pai não quer: brigar. Conheço seu irmão, a ordem de Vadin lhe fazendo aguardar o grosso de nossas forças não foi de seu agrado.
― Mas acabou obedecendo.
― Isso ainda está por se ver ― resmungou o ruivo.
Ishkar voltou a rir com humor. Desde que deixaram a Dinamarca, os deuses lhes tinham prodigalizado boa fortuna; Goonan se preocupava por nada. Chegariam à Inglaterra, tentariam conseguir as alianças encomendadas por Canuto, obteriam estanho, trigo e mel e intercambiariam culturas antes de retornar com novos apoios. Mais cedo ou mais tarde Canuto voltaria a governar sobre a ilha.
O ruivo olhou ao jovem sem intenção de unir-se a seu divertimento, mas agradecido por seu excelente estado de ânimo. Muitas vezes o tinha visto irritado e não gostava de suportar seu humor quando lhe azedava.
Para ele, Ishkar era como o filho que não tinha tido. Desde que se uniu à Vadin, um dos senhores das terras do norte, tinha estado junto ao moço. E quando o jovem foi eleito pelo muito mesmo Odín, foi a ele a quem Vadin encarregou sua educação. Tinha-lhe ensinado tudo que sabia a respeito das armas e a navegação.
Recordou aquele longínquo dia de inverno, o da consagração de Ishkar como protegido dos deuses.
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