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26 de setembro de 2018

Guiomar

Guiomar é a última filha da nobre linhagem de Dom Froilán. 

Desde pequena se sente fascinada pelo mundo dos cavalheiros e das batalhas, e quando seu pai recebe o apelo para que algum de seus filhos vá lutar na guerra, decide em segredo, que se fará passar por um jovem e atenderá a chamada sob o nome de Juan de Valdeón.
No campo de batalha trava amizade com um companheiro e começará a sentir por ele algo mais que amor fraternal, sentimento que vê correspondido, mas que choca com seu papel de homem. Sua decisão a arrastará a uma situação na qual terá que decidir entre a honra e o amor.

Capítulo Um

Jogos infantis
— Guiomar, não corra! — A voz de Dona Teresa mal chegava aos ouvidos da menina, pois o vento que rodopiava à sua volta abafava todo o som. — Ai, Senhor, esta menina vai cair qualquer dia e vai quebrar todos os ossos. Guiomar!
A sétima filha de Dom Froilán, que naquele inverno comemorava seu sétimo aniversário, subiu de um salto a um dos muros que rodeavam o castelo. Seu equilíbrio era perfeito. Enquanto caminhava com um pé seguido do outro pelos ladrilhos desiguais, seu corpinho ondeava de um lado ao outro sem chegar nunca a perder o centro da gravidade. Parecia uma cana mexendo-se ao vento, sem nenhum temor de se quebrar. Tinha os braços estendidos em cruz para ajudar a se equilibrar, e nem as saias a impediam de usufruir de uma destreza perfeita.
O sol primaveril acariciava sua nuca coberta de penugem negra. Havia nascido com os cabelos escuros como o alcatrão e nem o passar dos anos os clarearam. Tinha a tez pálida própria da gente nobre, ainda que seu amor pelos espaços abertos e as brincadeiras entre as árvores lhe escurecessem um pouco a cor. Sua mãe não deixava de se lamentar por aquela sua mania de se expor ao sol para estragar sua beleza, e lhe repetia continuamente que assim nunca encontraria um marido. Guiomar encolhia os ombros. Os maridos lhe ficavam muito longe e a diversão em abundância ao alcance da mão, assim, a única coisa que tinha a fazer era ignorar as queixas de sua mãe durante um tempo.
Suas outras seis irmãs eram muito mais velhas para se interessarem por suas brincadeiras, ou muito obedientes para acompanhá-la. Asunción era toda ao contrário dela. 
Estava com nove anos e era régia e serena. Cantava como os anjos e tocava lira com tanta destreza como Guiomar derrubava maçãs a pedradas. Jimena brincava com ela em algumas ocasiões, mas sua saúde frágil a impedia de correr e saltar com tanto ímpeto quanto ela, e sua mãe adotiva a obrigava a permanecer junto ao fogo para prevenir resfriados ainda que estivessem em pleno verão.
As gêmeas, Leonor e Sancha, já estavam em uma idade na qual as brincadeiras estavam distantes. Tagarelavam sobre os rapazes do povoado e os cavalheiros, enquanto bordavam seu enxoval. Por último, Elvira, a mais velha, andava sempre distraída e perdida em seus próprios pensamentos.
Por isso, os amigos de Guiomar eram os filhos dos criados. Sem a obrigação social de serem formais e cuidarem de se queimarem em excesso sob o sol, os outros meninos convidavam a filha do senhor para participar de suas corridas. Felipe, o filho do ferreiro, costumava desafiá-la no jogo de correr pela borda do muro até a parte na qual se separava tanto do solo, que dava vertigem olhar para baixo. 
Guiomar também se assustava, mas se obrigava a passar por ali igualmente para demostrar sua coragem. Seu pai lhe dizia sempre que o mais importante para um cavalheiro era mostrar honra e valentia, e Guiomar tomava aquelas palavras como seu credo pessoal. 
Desafiava seus próprios temores sem duvidar, e agora percorria aquele trajeto cada dia, para se assegurar que seu espírito não lhe falhasse. Os outros meninos ficavam boquiabertos quando Guiomar atravessava sem se despentear, um limiar situada a três metros acima do solo; não havia coisa que gostasse mais que despertar a admiração dos demais. Se por acaso sua mãe e suas irmãs reagissem da mesma maneira...
Saltou do muro e correu ao esconderijo dos meninos na parte traseira do castelo. 
Fazia várias décadas, que uma das torres mais velhas se desmancharam e os escombros tinham caído de uma forma peculiar, ao pé da colina. 
O musgo e a terra reclamaram aquele pedaço de alvenaria, de maneira que um menino podia escorregar em seu interior para desfrutar de uma cabana particular. Cada ano era mais difícil se enfiar lá dentro, cada ano se encontravam mais apertados em seu interior, e ainda assim, não imaginavam que logo lhes seria impossível até mesmo entrar. Aquilo ficava para o futuro, e nenhum deles pensava no assunto. Eram meninos, e em seus pensamentos, tudo apontava que continuariam sendo para sempre.