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16 de janeiro de 2019

Foragido

McIntyre leva uma vida tranquila e rotineira. 

Manter toda a casa, ajudar a quem mais necessita, atender a escola dominical, recriminar os assíduos do Saloon local que desperdiçam horas ali, em vez de estar junto a seus filhos e suas esposas... É por isso que está solteira, tem trinta anos e muito tempo livre, além disso, os homens de Carsons pensam que é puritana impertinente e triste, não que haja muitas perspectivas de que as coisas mudem, nem Felicity está disposta a mudar seu comportamento para conseguir um marido. Mas, se um irlandês atraente, perigoso e procurado pela justiça cruzar seu caminho, e colocar seu mundo de ponta cabeça, o que mais poderá fazer a não ser se deixar levar por ele?

Capítulo Um

Meia dúzia de meninos de diferentes idades bocejavam apoiados sobre as mesas que serviam de classes improvisadas. Felicity elevou a voz tratando de contagiar com seu entusiasmo o infantil auditório.
― E é por isso que não devemos roubar, nem mentir, nem, obviamente, matar nossos semelhantes. Vejamos quem pode recitar de cor os Dez Mandamentos? Só uma mão foi levantada com rapidez. Felicity sorriu à pequena filha dos Richardson.
― Sei que você sabe Laura, mas que tal se deixar que alguém mais se anime? O que me diz Jimmy? Ou você, Samuel? Os referidos coçaram a cabeça, pensativos. Jimmy começou:
― Amará a Deus sobre todas as coisas.
― Muito bem ― incentivou Felicity ― E que mais?
― Não matarás. ― Estupendo, e…?
― Não roubarás. ― Isso. ― E… Jimmy fez cara de quem fazia um esforço tremendo, mas a inspiração não chegou. Laura voltou a levantar a mão impaciente. ― Pense com calma, não temos pressa. Vários suspiros desencantados soaram ao fundo.
― Não baterás em seu irmão mais novo? As risadas soaram em coro. ― Não, Jimmy, embora seja um bom tema. Podemos considerá-lo um extra. Lembra-se de mais algum? O menino continuou pensando. A paciência de Felicity começou a esgotar-se. Era muito pedir que decorassem dez singelos mandamentos? Outra mão foi levantada.
― Sim, diga, Peter, conhece mais alguma?
― Não, senhorita McIntyre, mas posso ir? Minha mãe me deu permissão para eu ir pescar. Todos os rostos se voltaram para ela esperançosos. Qualquer um ali possuia coisa melhor a fazer numa manhã de domingo de primavera do que ficar ali encarcerado. Felicity viu-se derrotada.
― Está bem. Podem ir, mas, lembrem-se de ler em casa o capítulo que estudamos. Não esqueçam: ― Moisés e a travessia do deserto.
― Não, senhorita McIntyre ― responderam em coro e saíram correndo da escola dominical. Todos. Inclusive Laura. Suspirou, mas não perdeu o ânimo. Estava acostumada a tratar com aquelas pequenas criaturinhas.
Era uma vitória mantê-los sentados e que se apresentassem vestidos e calçados. Além disso, ela pensou ao mesmo tempo em que consultava o pequeno relógio que levava preso ao vestido por uma fina corrente, ela também possuia mais coisas para fazer.

27 de abril de 2018

O Jogo da Inocência

Sensual, erótico e elegante, O jogo da inocência transcorre na França no final do século XVIII, justo na véspera de um acontecimento histórico crucial, em uma época conhecida pela falta de moralidade dos costumes e pelas desigualdades sociais. 

Luís de Argenteuil, jovem ocioso e libertino, vê ameaçada a comodidade de sua vida, quando seu tio Eustáquio, farto de seu descuido e ante seu iminente novo matrimônio, decide retirar sua ajuda econômica. Luís terá ocasião de vingar-se seduzindo Helena Villiers, a futura esposa de Eustáquio. Uma moça singela e inocente, recém-saída de um convento, a quem ensinará toda classe de jogos carnais, sempre deixando, intacta, sua virgindade. Resguardar a virtude de Helena implicará um desafio para Luís, um descobrimento para Helena, e uma surpresa para ambos.

Capítulo Um

Luís Edmond de Argenteuil e Rochelle, Visconde de Tremaine, Cavalheiro da ordem de Saint-Sprit e Senhor de Valdecourt e Chenerailles, para citar somente alguns de seus muitos títulos, esperava com as mãos estendidas, que seu lacaio alcançasse a toalha com a qual secar o rosto, depois de sua higiene matutina. Na realidade o pano estava bem à sua direita e bastaria que Luís virasse ligeiramente para tê-lo a seu alcance, entretanto, preferia esperar que fosse Pierre quem o estendesse, para prosseguir com seu asseio. Nem sequer tratava-se de uma decisão pensada, era somente a força do costume. Luís secou-se com paciência e voltou a estender os braços para que Pierre vestisse-o com a camisa, a casaca e calçasse as meias e as bota O Jogo da Inocência – Marisa Sicilia 7 casaca mostarda, com festões dourados era magnífica e a palidez, dava um matiz ainda mais frio a seu rosto. Suas feições eram angulosas e não de todo formadas, já que Luís apenas completara vinte e um anos, mas em seu rosto juvenil e indolente já se destacavam algumas rugas. As pestanas loiras, claras e apagadas, os olhos de transparente íris azul pálida, o olhar com frequência acompanhado de soberba, mas vivo e inteligente. E sobre o conjunto destacavam seus lábios grossos e, a dizer de muitos, grosseiros, mais acostumados às caretas de desprezo do que aos sorrisos, entretanto manifestamente libidinosos e sensuais. Sim, Luís possuía justamente o aspecto com o qual pretendia mostrar-se. Um aristocrata jovem, ocioso, libertino e hedonista. E por acaso a vida foi feita para algo mais que seu desfrute? Não obstante, hoje não era um desses dias no qual Luís pensava tirar mais partido da vida. Tinha um encontro marcado com seu tio paterno e tutor legal, Eustáquio de Argenteuil, conde de Bearnes. Não era a ocupação com a qual preferia perder o tempo. O pai de Luís morrera pisoteado por um cavalo quando ele tinha três anos. A mãe fora levada pela tuberculose quando não completara nem os oito. Recordava-a vagamente vencida em seu leito, seu quarto estava sempre às escuras, cheirava a enfermidade e decomposição. Sua mãe chamava-o implorando, e pedia-lhe que se aproximasse, mas os acessos de tosse interrompiam-na, sufocava-se e cuspia sangue. Luís soltava-se da mão de sua aia para escapar para o jardim e O Jogo da Inocência – Marisa Sicilia 8 sentir, de novo, o calor do sol no rosto. Não recordava ter chorado nem quando a velha Manon comunicara sua morte.
Seu tio exerceu a tutoria com rigidez e distanciamento. Luís teve os melhores preceptores, severos e rigorosos, dispostos a pôr em prática o lema: a letra com sangue entra. O jovem Luís mal suportava as varadas e as pauladas, pois nunca fora aplicado nem dado ao estudo, e engolia as lágrimas o melhor que podia. Por fim, um dia, seus estudos foram dados por concluídos. Luís completou os dezesseis anos e como recompensa o tio cedeu-lhe a administração e o domínio do viscondado de Tremaine e atribuiu-lhe uma renda anual de três mil ducados. A vida começou então para Luís.