No entanto,a tranquilidade que ela desejava encontrar entre seus entes queridos se transforma em um turbilhão quando sua vida fica, de repente, ligada à de Carlo Varzi, um cafetão do bairro de La Boca, um homem temível e sem escrúpulos com um passado tão escuro quanto seu presente. E embora Micaela tente superar a atração que o homem exerce sobre ela, ela finalmente cederá ao impulso que a domina. Remorso e medo, desejo e paixão; o conflito será inevitável.
Este romance, situado na Buenos Aires que deu origem ao tango, retrata a história de uma mulher lutando para superar seus medos e defender seu amor, e de um homem tentando se redimir no contexto mais humilhante, também para o amor.
Capítulo Um
Buenos Aires, maio de 1899.
Esse sábado, as crianças Urtiaga Four tinham desejado ver sua mãe todo o dia. Gastón María fez manha e não houve forma de que tomasse o leite nem o azeite de fígado de bacalhau. Micaela, mais submissa, encerrou-se em seu quarto e não voltou a sair.
Eram pequenos e não entendiam por que sua mãe sempre estava de cama, indisposta, o criado-mudo abarrotado de frascos escuros, os médicos que iam e vinham, o rosto desolado de seu pai, e agora, a novidade das enxaquecas que não a deixavam viver.
Já era quase sete da tarde. A mama Cheia pensou que era uma hora prudente para que Micaela e Gastón María visitassem a patroa, e assim os fez saber. Os meninos correram em direção ao quarto de sua mãe. A negra Cheia, não tão jovem e excedida em peso, seguia-os com dificuldade.
—Meninos, parecem desordeiros! Por amor de Deus! Não entrem assim no quarto de sua mãe que lhe parte a cabeça!
Ao chegar ao quarto da patroa Isabel, Cheia encontrou a porta entreaberta; os meninos já tinham entrado. Olhou e não viu ninguém. Encaminhou-se à penteadeira e, ao transpor a porta, o quadro com o que topou deixou-a estupefata: a senhora Isabel, inconsciente dentro da tina, com os pulsos cortados e os meninos contemplando-a em silêncio.
Seu próprio grito a tirou do transe, a ela e ao pequeno Gastón María, que deu um uivo, soltou-se da mão de sua irmã e saiu correndo. Micaela, inalterável, olhava a sua mãe. A água sanguinolenta jorrava e quase lhe tocava a ponta dos sapatinhos.
Os olhos da menina alternavam entre o rosto pálido de Isabel e uma navalha no piso. Absorta, não escutava os gritos de Cheia, nem se dava conta de que Gastón María já não lhe sustentava a mão, nem de que os serventes se amontoavam na entrada. Aproximou-se da tina decidida a despertar sua mãe.
—Não, Micaela! A menina sentiu um puxão, alguém que a afastava. Esperneou, gritou e sacudiu os braços como louca. Cheia pegou-a pela cintura e a afastou dali. Micaela não recordava de sua mãe a não ser na cama, com o rosto doentio e o gesto melancólico.
Isabel, a formosa atriz cheia de vida, pertencia a uma lenda que lhe fascinava escutar. Tinham-lhe contado que, sobre o palco, sua mãe provocava angústia com seu pranto, risadas desenfreadas com suas piadas, suspiros com sua beleza. Depois de vê-la, as pessoas não saíam iguais do teatro, pois Isabel chegava às fibras mais sensíveis delas. Seu público a amava.
O jovem Rafael Urtiaga Four a conheceu no auge de sua carreira, quando o Teatro Politeama vibrava a cada noite com suas apresentações. Rafael teve sorte com ela; um dândi da sociedade portenha como ele, com relações e vínculos por toda parte, sempre conseguia o que desejava. E a desejava, e muito. Um amigo os apresentou uma noite depois do teatro.
Isabel o apanhou em seu furacão e o enfeitiçou com sua formosura. Rafael a amou desde o primeiro dia. Ela também se entregou, com o mesmo ardor com que fazia tudo; não, com maior paixão ainda: estava louca por ele. Casaram-se em pouco tempo e nenhum dos Urtiaga Four deu seu consentimento; as bodas foram um escândalo familiar. "Uma atriz!"
Eram pequenos e não entendiam por que sua mãe sempre estava de cama, indisposta, o criado-mudo abarrotado de frascos escuros, os médicos que iam e vinham, o rosto desolado de seu pai, e agora, a novidade das enxaquecas que não a deixavam viver.
Já era quase sete da tarde. A mama Cheia pensou que era uma hora prudente para que Micaela e Gastón María visitassem a patroa, e assim os fez saber. Os meninos correram em direção ao quarto de sua mãe. A negra Cheia, não tão jovem e excedida em peso, seguia-os com dificuldade.
—Meninos, parecem desordeiros! Por amor de Deus! Não entrem assim no quarto de sua mãe que lhe parte a cabeça!
Ao chegar ao quarto da patroa Isabel, Cheia encontrou a porta entreaberta; os meninos já tinham entrado. Olhou e não viu ninguém. Encaminhou-se à penteadeira e, ao transpor a porta, o quadro com o que topou deixou-a estupefata: a senhora Isabel, inconsciente dentro da tina, com os pulsos cortados e os meninos contemplando-a em silêncio.
Seu próprio grito a tirou do transe, a ela e ao pequeno Gastón María, que deu um uivo, soltou-se da mão de sua irmã e saiu correndo. Micaela, inalterável, olhava a sua mãe. A água sanguinolenta jorrava e quase lhe tocava a ponta dos sapatinhos.
Os olhos da menina alternavam entre o rosto pálido de Isabel e uma navalha no piso. Absorta, não escutava os gritos de Cheia, nem se dava conta de que Gastón María já não lhe sustentava a mão, nem de que os serventes se amontoavam na entrada. Aproximou-se da tina decidida a despertar sua mãe.
—Não, Micaela! A menina sentiu um puxão, alguém que a afastava. Esperneou, gritou e sacudiu os braços como louca. Cheia pegou-a pela cintura e a afastou dali. Micaela não recordava de sua mãe a não ser na cama, com o rosto doentio e o gesto melancólico.
Isabel, a formosa atriz cheia de vida, pertencia a uma lenda que lhe fascinava escutar. Tinham-lhe contado que, sobre o palco, sua mãe provocava angústia com seu pranto, risadas desenfreadas com suas piadas, suspiros com sua beleza. Depois de vê-la, as pessoas não saíam iguais do teatro, pois Isabel chegava às fibras mais sensíveis delas. Seu público a amava.
O jovem Rafael Urtiaga Four a conheceu no auge de sua carreira, quando o Teatro Politeama vibrava a cada noite com suas apresentações. Rafael teve sorte com ela; um dândi da sociedade portenha como ele, com relações e vínculos por toda parte, sempre conseguia o que desejava. E a desejava, e muito. Um amigo os apresentou uma noite depois do teatro.
Isabel o apanhou em seu furacão e o enfeitiçou com sua formosura. Rafael a amou desde o primeiro dia. Ela também se entregou, com o mesmo ardor com que fazia tudo; não, com maior paixão ainda: estava louca por ele. Casaram-se em pouco tempo e nenhum dos Urtiaga Four deu seu consentimento; as bodas foram um escândalo familiar. "Uma atriz!"