18 de agosto de 2017

Marlene

A famosa soprano Micaela Urtiaga Four, conhecida na Europa como A Divina Four, decidiu voltar a Buenos Aires, sua cidade natal, depois de anos de ausência.

No entanto,a tranquilidade que ela desejava encontrar entre seus entes queridos se transforma em um turbilhão quando sua vida fica, de repente, ligada à de Carlo Varzi, um cafetão do bairro de La Boca, um homem temível e sem escrúpulos com um passado tão escuro quanto seu presente. E embora Micaela tente superar a atração que o homem exerce sobre ela, ela finalmente cederá ao impulso que a domina. Remorso e medo, desejo e paixão; o conflito será inevitável.
Este romance, situado na Buenos Aires que deu origem ao tango, retrata a história de uma mulher lutando para superar seus medos e defender seu amor, e de um homem tentando se redimir no contexto mais humilhante, também para o amor.

Capítulo Um

Buenos Aires, maio de 1899.
Esse sábado, as crianças Urtiaga Four tinham desejado ver sua mãe todo o dia. Gastón María fez manha e não houve forma de que tomasse o leite nem o azeite de fígado de bacalhau. Micaela, mais submissa, encerrou-se em seu quarto e não voltou a sair.
Eram pequenos e não entendiam por que sua mãe sempre estava de cama, indisposta, o criado-mudo abarrotado de frascos escuros, os médicos que iam e vinham, o rosto desolado de seu pai, e agora, a novidade das enxaquecas que não a deixavam viver.
Já era quase sete da tarde. A mama Cheia pensou que era uma hora prudente para que Micaela e Gastón María visitassem a patroa, e assim os fez saber. Os meninos correram em direção ao quarto de sua mãe. A negra Cheia, não tão jovem e excedida em peso, seguia-os com dificuldade.
—Meninos, parecem desordeiros! Por amor de Deus! Não entrem assim no quarto de sua mãe que lhe parte a cabeça!
Ao chegar ao quarto da patroa Isabel, Cheia encontrou a porta entreaberta; os meninos já tinham entrado. Olhou e não viu ninguém. Encaminhou-se à penteadeira e, ao transpor a porta, o quadro com o que topou deixou-a estupefata: a senhora Isabel, inconsciente dentro da tina, com os pulsos cortados e os meninos contemplando-a em silêncio.
Seu próprio grito a tirou do transe, a ela e ao pequeno Gastón María, que deu um uivo, soltou-se da mão de sua irmã e saiu correndo. Micaela, inalterável, olhava a sua mãe. A água sanguinolenta jorrava e quase lhe tocava a ponta dos sapatinhos.
Os olhos da menina alternavam entre o rosto pálido de Isabel e uma navalha no piso. Absorta, não escutava os gritos de Cheia, nem se dava conta de que Gastón María já não lhe sustentava a mão, nem de que os serventes se amontoavam na entrada. Aproximou-se da tina decidida a despertar sua mãe.
—Não, Micaela! A menina sentiu um puxão, alguém que a afastava. Esperneou, gritou e sacudiu os braços como louca. Cheia pegou-a pela cintura e a afastou dali. Micaela não recordava de sua mãe a não ser na cama, com o rosto doentio e o gesto melancólico.
Isabel, a formosa atriz cheia de vida, pertencia a uma lenda que lhe fascinava escutar. Tinham-lhe contado que, sobre o palco, sua mãe provocava angústia com seu pranto, risadas desenfreadas com suas piadas, suspiros com sua beleza. Depois de vê-la, as pessoas não saíam iguais do teatro, pois Isabel chegava às fibras mais sensíveis delas. Seu público a amava.
O jovem Rafael Urtiaga Four a conheceu no auge de sua carreira, quando o Teatro Politeama vibrava a cada noite com suas apresentações. Rafael teve sorte com ela; um dândi da sociedade portenha como ele, com relações e vínculos por toda parte, sempre conseguia o que desejava. E a desejava, e muito. Um amigo os apresentou uma noite depois do teatro.
 Isabel o apanhou em seu furacão e o enfeitiçou com sua formosura. Rafael a amou desde o primeiro dia. Ela também se entregou, com o mesmo ardor com que fazia tudo; não, com maior paixão ainda: estava louca por ele. Casaram-se em pouco tempo e nenhum dos Urtiaga Four deu seu consentimento; as bodas foram um escândalo familiar. "Uma atriz!"










4 comentários:

  1. Esse livro é maravilhoso demais!!!! Esse tem história!

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  2. Todos os livros desta autora são ótimos. Ela insere a ficção dentro de um momento histórico que retrata com fidelidade. Os personagens são bem trabalhados, a trama perfeita. Já li este livro duas vezes.

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