Mostrando postagens com marcador Série Índias Brancas. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Série Índias Brancas. Mostrar todas as postagens

26 de outubro de 2015

Índias Brancas II

Série Índias Brancas
Em 1879, Buenos Aires vive seu momento mais conturbado. 

Roca prepara a campanha para o deserto a fim de concorrer à presidência da Nação. 
Laura Escalante, mulher de destaque da vida cultural e política de sua cidade nunca esqueceu o índio Nahueltruz Guor, convertido no excêntrico Lorenzo Dionisio Rosas, volta a sua terra depois de seis anos para vingar-se de quem o traiu e quebrou seu coração. Este encontro irá perturbar a ambos. Eles nunca mais serão os mesmos.

Capítulo Um

A amante do doutor Riglos
A missa recém começava e as vozes se elevavam para cantar o Kyrie eléison1. Laura Escalante o entoava com vontade, movida mais por sua inclinação ao canto que por sua devoção religiosa. 
O coro de meninos e os dramáticos acordes do órgão, que inundavam as naves da Catedral Metropolitana, levaram-na a aceitar que, apesar de tudo, dona Luisa del Solar tinha razão ao se opor em comemorar o segundo aniversário da morte de Julián Riglos na capela da baronesa, como era conhecida a capela da casa de La Santíssima Trinidad, construída a mando da bisavó de Laura, Pilar de Mora y Aragón, esposa de Abelardo Montes, barão de Pontevedra. Embora a rua já levasse o nome de San Martín, na mansão dos Montes os portenhos2 ainda a chamavam de La Santíssima Trinidad.
- Querida - havia interposto dona Luisa dias atrás - como você pensa reunir todas as pessoas que participarão do aniversário de Juliancito na capela da baronesa, que, apertados, só admite umas vinte pessoas? Sabe quão querido e apreciado ele era, todos seus amigos vão querer estar ali, além dos seus parentes, dos meus e dos dele.
Apesar de Julián Riglos ter voltado a se casar depois da morte de Catalina del Solar, para dona Luisa ele continuava sendo Juliancito, seu adorado genro. 
Que ele o tivesse feito com Laurita Escalante só exaltou o carinho e grande respeito que ela tinha por ele. Por isso, a matrona portenha se acreditava com direito de fazer e desfazer quando se tratasse de honrar a memória de Juliancito, e Laura permitia. Dona Luisa del Solar, sentada junto a ela no primeiro banco, entoava as estrofes de Gloria com a voz estridente e desafinada, pronunciando pessimamente o latim, sem se intimidar, ao contrário, demonstrava a segurança e superioridade de uma soprano.
Laura levou o leque à boca para esconder um sorriso, afinal de contas, ninguém aprovaria que a viúva risse na missa de seu finado marido.
De fato, as amizades e conhecidos de Laura Escalante já estavam curados do espanto, e se a jovem viúva começasse a rir às gargalhadas enquanto o sacerdote pronunciasse o sermão, não teriam se surpreendido. Da Escalante esperavam qualquer coisa. 
Por acaso ela não tinha dado o que falar, exatamente há dois anos, ao se negar a usar luto quando faleceu seu esposo Julián?

Série Índias Brancas
1 - Índias Brancas I
2 - Índias Brancas II
Série Concluída

13 de outubro de 2015

Índias Brancas I

Série Índias Brancas

Eu não sou huinca, capitão, faz tempo que fui.

Deixe que volte para o Sul, deixe-me ir para lá.
Meu nome quase o esqueci: Dorotea Bazán. Eu não sou huinca, índia sou, por amor, capitão.
Falta-me o ar do pampa e o aroma dos acampamentos ranqueles
O cobre escuro da pele de meu senhor, Nesse império de ervas daninhas, couro e sol.
Você se assombra, capitão, que eu queira voltar, Um grito de malón reclama a minha pele. Tornei-me Índia e agora estou mais cativa que ontem. Quero ficar na dor do meu povo ranquel. Eu não sou huinca, capitão, faz tempo que fui. Deixe que volte para o Sul, deixe-me ir para lá.

Capítulo Um

Uma vontade poderosa
Na tarde em que Laura Escalante recebeu o telegrama do padre Donatti não pôde evitar que sua mãe, suas tias e sua avó se inteirassem. Inclusive teve que lê-la em voz alta. O sacerdote o despachou na vila de Rio Cuarto, onde se localizava o convento franciscano no qual ele e Agustin viviam há quase cinco anos.
As quatro mulheres permaneceram caladas, enquanto Laura repassava as linhas em silêncio. Ao levantar o olhar, descobriu o semblante sombrio de sua mãe, esse cenho tão bem conhecido e que lhe deu a entender que esquecesse o que acabava de ocorrer.
—O carbúnculo é muito contagioso —informou tia Soledad.
—E em certos casos, mortal —adicionou tia Dolores, com ar de pitonisa do oráculo.
—Não irá vê-lo —expressou Madalena, a mãe de Laura.
—Essa ideia passou pela sua cabeça? —perguntou a avó Ignacia, com esse acento madrilenho que, depois de quase cinquenta anos em Buenos Aires, não perdia por orgulho.
—Agustin é meu irmão —tentou a moça.
—Meio irmão —atacou Soledad.
—E filho de uma qualquer —completou Dolores.
—Bom, bom —interviu Madalena, que preferia não se lembrar da primeira mulher de seu marido, nem sequer para insultá-la; ela já tinha o suficiente com seus ciúmes e rancores. — O certo é que não irá, eu não posso acompanhá-la e você sozinha não coloca um pé fora desta casa.
Em outra ocasião Laura teria começado uma discussão, poucas coisas a estimulavam tanto como polemizar com “o quarteto de bruxas”, apelido que Maria Pancha, a criada, usava para referir-se às patroas mais velhas. Desta vez, o desânimo pela notícia da doença de Agustin a guiou ao interior do casarão, submissa e calada, com os olhos quentes e a boca trêmula. As mulheres a contemplaram partir e logo retomaram seus bordados.
—Quem avisará Escalante? —falou Soledad, que se animou em expressar o que as outras não faziam.
Os olhares se voltaram a Madalena, que continuou debruçada em seu trabalho de renda5 em bastões.
—Faz anos que Escalante não fala com seu filho —expressou a modo de desculpa e sem levantar o olhar—. Desde que Agustin fez seus votos —acrescentou, como se suas irmãs e sua mãe não soubessem.
—Que homem tão ímpio! —soltou Ignacia, expressão que sempre usava para manifestar a aversão por seu genro. Em outros tempos não tinha sido assim, mas isso foi há muitos anos.
—Se tia Carolita estivesse aqui, ela poderia escrever para ele.

Série Índias Brancas
1 - Índias Brancas I
2 - Índias Brancas II
Série Concluída