12 de fevereiro de 2018

Tempo de Promessas

Série Crônicas do Tempo
Ano 917
As contínuas batalhas contra os muçulmanos assolam os crescentes reinos cristãos. 

Martín Ruiz de Vega, guerreiro a serviço do rei Ordoño, decide aspirar a algo mais, por mais que sua situação militar lhe traga substanciais e inesperadas recompensas. 
Cansado de tanto derramamento de sangue, apenas deseja formar família e levar uma vida tranquila. Mas a pessoa escolhida por ele, a única com quem anseia fazê-lo, está fora de seu alcance. Jimena de Medina é uma donzela tão inocente quanto bela, cuja memória foi seriamente afetada depois de presenciar o assassinato de seu pai, ocorrido anos atrás. Desde então vive protegida por seus irmãos, esperando o momento de cumprir com os desígnios do rei, que a entregou em casamento a um poderoso conde castelhano.
Agora, uma missão que é confiada ao guerreiro, com o único fim de prejudicá-lo, acabará por converter-se na melhor viagem das vidas de Martín e de Jimena, provocando uma cadeia de acontecimentos que colocarão seus corações à prova sobre promessas de sangue esquecidas…

Capítulo Um

Condado de Trabada, Álava. Dezembro de 917
Por fim em casa
Odón apertava em suas mãos a carta de arras que recebera do senhor de Laciana, deixando que seus pensamentos se perdessem por entre as chamas da lareira que tentava aquecer o ambiente.
A promessa da entrega de uma quinta parte de suas possessões quando celebrado o casamento com Jimena já doía, embora reconheça que essa aliança era o melhor para estreitar laços com Ordoño, através de uma das famílias mais influentes de Leão. Além disso, a noiva não era má. Nada má.
Tinha-a conhecido acidentalmente, durante as negociações. Não recordava ter trocado qualquer palavra com ela, mas a imagem conseguira estimulá-lo o suficiente para ver aquela união com outros olhos.
Uma jovem pura, de bom berço e com um aspeto físico que prenunciava uma descendência abundante e vigorosa.
Com um sorriso astuto, Odón voltou a ler a carta de arras. Para ele, o prazer no leito estava intimamente ligado à dor. E o corpo de Jimena parecia suficientemente forte para suportar o segundo. Como ia se deleitar! Quanto mais ela sofresse, mais ele se excitaria. De repente desejou tê-la disposta, esperando-o. Ou rebelde e lutadora, não sabia qual das duas coisas lhe parecia mais atraente.
O que estava claro era que brevemente poderia utilizar Jimena para tornar realidade todas suas anormais fantasias sexuais. Ocupar-se-ia daqueles seios tão tenros, até os deixar avermelhados e desprovidos de qualquer inocência, tal como faria com a sua dona. Bom Deus, quantas vezes os tinha imaginado em suas mãos, ardentes por ele!
Tremia de impaciência. De ardor contido, porque teria de segurar a sua descontrolada criatividade no leito até que o casamento se tivesse realizado.
No momento, devia preparar-se para receber a sua adorada meia-irmã, Munia e a sua madrasta Urrica.
― Vai queimar o documento? Deveria pensar antes de agir.
Fora Urrica quem falara. A segunda esposa de seu pai era uma basca da cabeça aos pés, implacável e fria, que só demonstrava certa fraqueza com ele. Não era a primeira vez que a surpreendia olhando-o com interesse que nada parecia ter de maternal. Com os restantes, incluindo sua própria filha, era tão bruta que arrepiava.
Alguns passos mais atrás encontrava-se a autêntica debilidade de Odón. Parecia uma cópia rejuvenescida de Urrica, mas muito mais pura e inocente. Munia se mantinha na expectativa, sabendo que não devia mostrar euforia ao ver seu irmão, mas desejando fazê-lo. Compartilhavam o pai, e outras recordações que ninguém podia quebrar. Alta e exuberante, de cabelos e olhos negros como a noite e pele branca, Munia parecia um ser de outro mundo. Etérea e tão inalcançável que Odón ainda não encontrara um homem adequado com quem a unir em matrimônio.
E tentara. Mas nenhum nobre lhe parecia suficientemente enfermo, velho ou afeminado para assegurar-lhe que não a olhariam com luxúria. Que, inclusive, não desempenhariam com vigor na noite de núpcias, para que ela continuasse pura.
Daria rédea solta com Jimena, à paixão frustrada por Munia. Se ele não a podia tocar, ninguém o faria em seu lugar.
Amavam-se de uma maneira especial. Odón apenas precisou fazer um breve gesto com a mão para que Munia se adiantasse com um sorriso radioso em seus lábios sensuais e lhe desse um abraço caloroso.
― Senti sua falta, irmão ― murmurou, antes de depositar um beijo dissimulado em sua face.
― Vê, mãe? Esta sim é uma recepção digna de um conde ― apontou Odón, deixando o copo vazio sobre uma enorme mesa de madeira para pegar uma maçã e dar-lhe uma mordida ―. Acabo de regressar depois de muitos dias de viagem, quando o ano está prestes a acabar. Não mereço, pelo menos, uma palavra amável?
― Sua irmã já lhe deu todas ― sentenciou Urrica, com um olhar de advertência dirigido a Munia, antes de fixá-lo na carta que roubou a Odón ―. Vejo que os caprichos de Ordoño valeram a pena. Não lhe ensinei nada em todos estes anos?
― Sim. A impor a sua vontade por todos os meios, quer sejam dignos ou indignos. A proferir doces palavras para ocultar intenções cruéis. A manobrar situações não controláveis a partir de uma aparente fragilidade. Isso e muito mais.
― E me agradece cedendo parte de suas terras? ― Urrica sacudiu o pergaminho diante da luz de uma das tochas da parede ―. Você partiu para ampliar seus domínios, não para diminuí-los através de sua união com a filha de um traidor do falecido García. Por muito que seja o dote correspondente.
A paciência de Odón começou a fraquejar naquele momento. Afastou Munia com delicadeza e se aproximou de sua madrasta, disposto a defender o nome de Jimena. A excitação que experimentava cada vez que pensava nela bem o merecia.
― Dom Tello de Medina morreu no tempo do rei Afonso, de quem era defensor extremo, quando ela era uma menina! ― gritou ofendido ―. Não tem a culpa dos pecados de seu pai!
― Dom Tello foi assassinado nos seus aposentos, não se sabe por quem ― esclareceu Urrica ―. Esteve do lado de Afonso quando seu primogênito García se rebelou contra ele, e não se afastou de seu lado quando, cedendo às pressões, o rei repartiu o reino entre seus filhos García, Ordoño e Fruela. Isso o induziria a mais do que um inimigo.
― A “isso” se chama lealdade, mãe. Ainda que duvido muito que você saiba o que é.
― Talvez você possa explicar ― replicou Urrica ―. Assistiu ao enterro do rei Afonso com dom Tello.
Qualquer explicação teria sido em vão. Aquela mulher sempre provocava sentimentos contraditórios em Odón. Queria se livrar do veneno que durante anos se havia derramado sobre ele, mas era incapaz de o fazer. Desde que podia lembrar, os ensinamentos de Urrica haviam moldado a sua mente, com o mesmo interesse manipulador que ela esbanjava, aproveitando-se das ausências de seu pai absorvido nas guerras.
O tempo ensinou sua mente e seu corpo, até convertê-lo em um guerreiro quase perfeito, com uma combinação mortal de astúcia e força que cedo tornou-o temido por seus inimigos.
Odón sentou junto à lareira virando-lhes as costas. Necessitava dar à sua cabeça a capacidade de análise necessária para enfrentar todas as frentes que se apresentavam.
― Hernán de Medina, o novo senhor, parece anda mais duro do que seu pai ― comentou, voltando ao assunto de seu casamento com Jimena ―. E protege Ordoño.
― Hernán de Medina? O famoso Lobo Cinzento? ― murmurou Munia.
― Espero que você nunca precise comprovar quão correto é esse apelido, irmã.
― Deve ser, pois você cedeu até este ponto ― replicou Urrica, assinalando a carta de arras ―. Dizem que essa Jimena sofre de delírios constantes deste a morte de seu pai. Que nem mesmo recorda de sua morte. Confio em que você a repudiará o quanto antes.
Odón se levantou de um salto. Usando a sua altura e força, segurou Urrica pelos ombros para sacudi-la sem compaixão.
― Acabou!! Ouviu bem? Acabou!









Série Crônicas do Tempo
1 - Tempo de Promessas
2 - Tempo de Lobos
Série Concluída


3 comentários:

Oiii você não vai sair sem comentar nada vai? Ou que tal indicar o que leu. Ou então uma resenha heheheheh...Todo mundo agradece, super beijo!