15 de agosto de 2018

As Brumas da Memória

Série McLeod
A jovem acorda abruptamente.

Uma dor aguda martiriza sua cabeça e logo que pode abrir os olhos vê que suas roupas estão sujas e rasgadas. Aterrada e confusa, não sabe onde se encontra e é incapaz de recordar quem é e o que lhe aconteceu. A tênue luz que provém de um rescaldo apenas lhe permite reconhecer o interior do que parece um alojamento militar. 
Em um improvisado palete, a pouca distância dela, dorme um homem cujo rosto sombrio mostra uma profunda cicatriz que atravessa sua bochecha. A julgar por seu uniforme, trata-se de um soldado.
Logo a moça descobrirá que se encontra sob o amparo do Capitão Maximilian McLeod quem, depois de achá-la inconsciente durante um reconhecimento noturno e, para protegê-la dos desmandos de uma zona de guerra, a oculta em seu alojamento de campanha, rompendo todas as regras da tropa e pondo em jogo seu próprio prestígio.
A poucos quilômetros dali, Oliver Moore, um aristocrata a ponto de explodir de ira, pois a mulher que põe em risco seu futuro econômico acaba de lhe escapar entre os dedos. Agora deverá redobrar seus esforços para encontrar a fugitiva e acabar com sua vida. Sem saber absolutamente nada sobre seu passado e os perigos que a espreitam, a jovem e o Capitão McLeod deverão atravessar os desafios que lhes impõe uma realidade crua, assinada pela guerra e pela incerteza sobre o futuro de ambos.

Capítulo Um

Norte da Inglaterra, 1763
15 quilômetros ao norte do acampamento militar, ao comando do general Archibald Gould.
― Tenente Finnighan! ― Os gritos do Capitão Maximilian McLeod logo que conseguiam transpor o estrondo produzido por mais de duzentos pares de botas amassando o barro. ― Um refúgio!
O outro assentiu ao localizar uma saliente rocha recortada contra o céu sombrio. Esporeou seu cavalo e se adiantou à formação de soldados esgotados, famintos e cobertos de lodo, até situar-se junto ao seu superior.
― Parece um bom lugar para descansar até a madrugada ― disse Adam Finnighan.
― Acredito que até poderemos acender um fogo. Debaixo daquele promontório o terreno parece estar bastante seco. ― McLeod assinalou uma área sem vegetação.
― São excelentes notícias ― disse o tenente. ― Se não encontrávamos resguardo logo, poderia haver ficado feio. Todos estão ao limite de suas forças, e ambos sabemos que o esgotamento pode ser o germe da insurreição.
― Preocupam-me quão réus recrutamos na prisão do Wiltshire ― disse o Capitão. ― Começaram a falar entre eles.
Finnighan assentiu, e seu semblante refletiu a inquietação que o embargava.
― Não acredito que estejam planejando nada de bom. Nossa capacidade de mando se verá afetada se não chegarmos logo ao acampamento de Gould.
Adicionar criminosos ao grupo sempre supunha um problema, mas a guerra se tratava de quantidades, e depois de quase sete anos de conflito bélico o número de soldados ingleses se encontrava em franco retrocesso. McLeod não tinha tido outra opção que fazer-se com reclusos para engrossar suas fileiras.
― Só restam quatro horas de viagem até o acampamento de Gould ― calculou o Capitão ― é muito pouco, considerando os dias que levamos no caminho, mas mesmo assim não acredito que seja boa ideia pressionar mais aos homens. Chegaremos em melhores condições se nos determos.
Finnighan assentiu, sabendo que McLeod tomaria a melhor decisão para todos.
― Organiza o acampamento noturno, Adam ― pediu McLeod ao seu segundo ao mando. ― Eu irei explorar. Vi um arroio não longe daqui, e não seria estranho que alimentasse algum afluente mais importante. Não estaria mal contar com algo para beber que não seja lama.
Finnighan se posicionou para logo partir a todo galope. Sua tarefa era guiar aos duzentos e trinta e dois soldados sob o mando do Capitão McLeod até a saliente rocha; um precário, embora imprescindível refúgio para passar a noite. A notícia gerou gritos de alegria e aplausos no reduzido batalhão. Todos agradeciam umas horas de descanso.
Logo depois de fazer virar a seu cavalo em direção ao arroio que vira antes, McLeod relaxou as rédeas para permitir que o fino olfato do animal se ocupasse de achar o caminho para a água. Fazendo ranger as rochas sob seus cascos, Titus percorreu lentamente os quatrocentos metros, até chegar à beira de um rio largo e pouco profundo.
Entusiasmado por seu achado, a besta afundou o focinho na corrente cristalina e bebeu com fruição.
― Bom serviço, rapaz! ― Disse McLeod, aplaudindo o pescoço suado de seu fiel companheiro de campanha.
Titus replicou agitando a cabeça e salpicando tudo a seu redor.
O Duque de Hyde, o pai do Capitão, tinha tido razão ao dizer que aquele cavalo nunca lhe falharia. Não era um animal jovem, mas mesmo assim suportava esforços e sacrifícios que outro não teria resistido. O magnífico Titus tinha sido o último presente que o Duque dera a seu filho mais velho, logo depois de ver-se obrigado a aceitar que Maximilian se uniria ao exército de Sua Majestade, apesar de sua forte oposição.
Exausto e desejando um banho quente, McLeod se deixou cair de joelhos na lamacenta margem do rio. Inclinou-se sobre a corrente e estudou seu reflexo, para comprovar quanto tinha envelhecido nos últimos seis anos.
Logo que cumpria os trinta e quatro, mas seu cabelo negro estava sulcado por cintas de prata, e seu rosto ― alguma vez admirado pelas jovens de Greenborough, seu lar natal ― mostrava fundas rugas que talhavam seu sobrecenho. A brutalidade da guerra tinha ficado gravada para sempre em seu rosto, outrora jovial. Inclusive seus olhos pardos, alguma vez entusiastas e confiantes no futuro, tinham perdido seu brilho.
O Capitão enxaguou seu rosto enlameado e bebeu grandes sorvos do líquido, que ele ansiava, muito fresco e puro. E embora a água estivesse gelada, sua necessidade de sentir-se novamente humano o levou a considerar a possibilidade de inundar-se nela e livrar-se da imundície que lhe tinha colado sob a roupa. Assim, desafiando o frio reinante, despiu-se e entrou no rio.
Esfregou uma mescla de água e areia por seu torso, fortalecido por anos de dura atividade no exército, e friccionou com vigor sua cabeça para tirar terra do caminho. Suas longas pernas o conduziram de novo à borda quando os músculos começaram a lhe formigar pressentindo a hipotermia. Urgido por recuperar o calor corporal, o Capitão se secou com uma toalha de linho, outrora branca, e se vestiu antes que o frio lhe jogasse um mau passo. Ignorava que, cruzando o rio, ocultos entre os juncos, olhos atentos vigiavam cada um de seus movimentos.
Um gemido lastimoso reverberou no silêncio da noite e obteve que o Capitão se escondesse e desenbainhasse a espada que lhe pesava no quadril. Procurou na escuridão a origem daquele som arrepiante, enquanto avançava com sigilo, ocultando-se depois dos matagais mais altos. Como fiel vigia, Titus sacudiu as orelhas e soprou inquieto, produzindo uma nuvenzinha de vapor esbraquiçado em torno de seu focinho.
Outra vez aquele ulular e o chapinho na borda oposta.
Em seu avanço, McLeod recordou as histórias fantasiosas que relatava a tropa, sobre seres misteriosos que habitavam os bosques e devoravam as pessoas...



Série McLeod
1 - Da Inglaterra à Virginia
2 - Pintar nas Sombras
3 - As Brumas da Memória
Série Concluída

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