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20 de setembro de 2018

A Andaluza

A Condessa de Lerma se vê frente a um horrível destino: seu pai a condenou em vida forçando-a a contrair matrimônio com um homem a quem odeia e teme. 

Durante a longa viagem ao que será seu novo lar, uns bandoleiros assaltam a diligência em que ela está junto à sua donzela mais querida. No ataque, um bandoleiro lhe roubará algo mais que uma joia...
"O Cavalheiro", um dos bandoleiros mais procurados da região, leva sempre o rosto oculto por uma máscara. Durante o assalto conhece uma mulher charmosa com uns olhos tão verdes como a erva na primavera, uma que não treme a voz quando o enfrenta. Roubara-lhe um anel, um que lhe é muito familiar pois ele mesmo foi quem fechou o trato para fazê-lo. Desde esse momento, debate-se entre o que é correto e o que essa mulher tão diferente lhe faz sentir, obrigando-o a debater-se entre o amor e a lealdade.

Capítulo Um

Maria não era capaz de pensar em nenhuma outra coisa, quase não era consciente de como a carruagem se movia de forma brusca pelo caminho de terra pouco frequentado que a levava para seu destino. Seu escuro futuro. 
Ainda recordava a primeira e única vez em que o tinha visto. Aquela vez, em que seu pai o tinha apresentado antes de fechar o trato: Germán do Vale.
Esse era o nome da besta a quem seu pai ia acorrentá-la ao longo da vida em uns dias. Ela estava indo antes para encarregar-se dos preparativos das bodas e lhe conhecer melhor.
Não o desejava. Sabia dele o suficiente, que não tinha coração nem piedade.
Mantinha muito fresca a lembrança de como tinha machucado sua donzela por derramar sem querer um pouco de água, ou isso foi o que contou, embora sempre tivesse suspeitado que houvesse algo mais que Susana não se atreveu a contar.
Maria se interpôs e ele deixou de golpeá-la, estava segura de que, se não fosse por sua intervenção, Susana teria acabado morta e ela também.
Quão único o deteve, supunha, era que ainda tinha dezessete anos de idade. Isso e que se ele a tivesse golpeado, nunca o teria aceito. E, em realidade, não o fez: rogou, chorou e suplicou ao seu pai para que não fechasse o trato, mas ele fez ouvidos surdos às suas objeções, ao seu medo.
O forte sacolejar da carruagem a obrigou a agarrar-se com força ao assento. Apareceu pela janela e observou o caminho despovoado, rodeado de montanhas agrestes e solitárias, era formoso e perigoso. Agora se arrependia de ter viajado sozinha, sem mais companhia que Susana, um velho cocheiro e dois homens que seu futuro marido lhe tinha mandado «muito atentamente» para que tivesse uma viagem tranquila.
Deveria ter levado a sua própria escolta.
Voltou o rosto para Susana, a pobre seguia tão aterrada pela lembrança de Germán que tinha insistido em não acompanhá-la, mas lhe tinha resultado impossível deixar sua ama, ainda mais depois das súplicas de Maria lhe recordando que a tinha cuidado durante tantos anos que era mais que uma donzela, e por isso agora Maria cuidaria dela.
Não ia permitir que esse canalha voltasse a tocá-la, tinha-o prometido sobre a tumba de sua mãe.
Desviou de novo o olhar para a espessura do bosque, tratando de achar os perigos que pudessem ocultar. Ultimamente as coisas na Andaluzia estavam muito agitadas: sublevações, revoltas, bandoleiros que não deixavam de assaltar diligências como a sua…
Ao menos, tinham tido a grande ideia de criar esse novo corpo: «A Guarda Civil», que se encarregava de controlar os caminhos e oferecer às carruagens um pouco de segurança.
Seu pai elogiava sem parar o bom fazer dos guardas civis e ao artífice de tal corpo, o duque de Ahumada.
Entretanto, nesses momentos, nem a possibilidade de ser assaltada pelo pior dos bandoleiros lhe parecia tão desastroso como ser entregue a Germán do Vale como esposa.
— Senhora, se encontra bem? — Perguntou Susana com voz preocupada e entrecortada devido ao movimento do coche.
— Não, não o estou. Como ficar, Susana? Meu pai vendeu-me a um homem sem coração. Quanto crê que demorará em me golpear como fez contigo?
As lágrimas de frustração, por não poder rebelar-se, golpearam com intensidade as bochechas pálidas de Maria.
— Não chore, minha senhora, eu estarei com você, protegendo-a.
Um débil sorriso adornou o rosto ovalado de Maria. Susana, sempre fiel e ao seu lado. Era uma donzela impecável, responsável, atenta e, se esquecesse daquele desventurado incidente como lhe tinha obrigado seu pai a chamá-lo, nunca tinha cometido nenhuma falha.
Maria entendia perfeitamente por que Susana não deixou que o senhor fizesse com ela o que lhe agradava, assustava-a. Como não sentir-se aflita e diminuída ao lado desse homem, que mais parecia um touro por sua grande envergadura?
Levou-se as mãos ao estômago, que se queixava em silêncio pelo que a esperava ao final do trajeto, e cada passo dos cavalos era um passo a mais que a aproximava de seu futuro desolador, enchendo seu coração, gota a gota, da amarga desdita e do medo que sentia ao pensar nele.
Faziam quatro anos desde seu primeiro e único encontro, agora já não tinha dezessete anos, tinha completado fazia dois meses, em dezoito de agosto, os vinte e um. Já era toda uma mulher, ou quase, pois seu pai não cessava de brigr com ela por seu comportamento tão pouco feminino e seu empenho em querer comportar-se como um homem.
— Isso não são coisas de dama — Lhe tinha recriminado.
Maria tinha ignorado as repreensões de seu pai, que não tinha mais descendência; era filha única e, desde o dia em que nasceu seu pai a cuidou e embalou, pois sua mãe não sobreviveu ao duro e difícil parto do qual quase que ela mesma morre.
Após, não tinha tomado outra esposa, mas agora que ela estava a ponto de contrair núpcias era o momento adequado.
Revolveu-se incômoda ante a lembrança. Tinha suplicado ao seu pai, chorado e até esperneado como quando aos cinco anos se negou a lhe ensinar a montar a cavalo. Comportou-se da mesma forma caprichosa e escandalosa, mesmo assim, nesse assunto não tinha sido capaz de abrandar o duro coração de seu pai.
— Casará com ele.— lhe ordenou. — Pode cuidá-la como você merece, além da sua imensa fortuna também é um homem forte, nobre e agora os de nossa classe escasseiam.
Presa do desespero pelo destino que a aguardava, havia tornado a repreender ao seu pai lhe advertindo que seu futuro marido com certeza a maltrataria. 
Entretanto seu pai, de novo, tinha saído em defesa de Germán, insistindo a que ela o perdoasse, alegando que era apenas um menino um pouco mais velho que ela, que esses quatro anos lhe teriam servido para amadurecer e ajustar seu temperamento, mas Maria duvidava que Germán fosse mudar. Certamente, a idade havia o tornado mais rude, insolente e ditador. 
 A certeza de que tinha razão fazia com que não fosse capaz de deixar de chorar, embora, apesar da sua infelicidade, no fundo de seu coração se ocultava um segredo que a fazia sentir-se calma, segura. Pois, mesmo com a imposição e a negativa de seu pai a que aprendesse coisas que eram de homens, como disparar, tinha-lhe desobedecido e Antônio, o filho de seu capataz, tinha-lhe ensinado às escondidas como fazê-lo. Antônio… Seu bom Antônio!