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3 de julho de 2017

Seu Rosto em Chamas

No marco de um dos períodos mais cruciais e trágicos da história argentina.

Em meio das lutas entre unitários e federais, uma paixão igualmente tormentosa une Piedade e Ernesto, pertencentes a famílias rivais. 
O casal será desafiado a fugir não só das perseguições que sangram o país, como também da crueldade da mãe de Piedade, um espírito escuro que se desvela em fazê-los sofrer.
Ernesto Salvadores de Arzuaga, fervoroso opositor ao governo de Juan Manuel de Rosas, se uniu às tropas de Justo José de Urquiza, que avança para Buenos Aires a procura de uma nova organização para o território. 
No entanto o destino lhe traça um mau pedaço e, ao se ver jogado de seu cavalo sobre o inimigo, fica preso no estribo e deve ser conduzido para o acampamento com a perna quebrada. 
Para se recuperar, visita as terras do Pergaminho, onde vive seu antigo companheiro de estudos Honório Iriarte, pertencente a uma família de estancieiros claramente rosistas. Ali Ernesto conhece Piedade, a irmã de Honório, dona de uma beleza soberba e nada convencional. Em meio às guerras civis que sangram o país, uma paixão secreta e asfixiante une os jovens, desafiados a fugir não só do sagaz fanatismo de Honório como também da crueldade de dona Augusta, a mãe da jovem, um espírito escuro que se propôs a destruí-los.

 Capítulo Um

Região dos Arroios ― Fazenda Carmen, 1854
Uma nuvem de pó se levantava atrás do caminho da carruagem. A carruagem parou em Carmen e Piedade desceu sem pressa. O campo estava quieto e silencioso, somente interrompido pelo chilrear de algum pássaro. Ao longe se escutava o murmúrio das águas do rio. 
Aquele som que embalara toda sua infância hoje lhe produzia um medo intenso. Enrolou-se no xale e seguiu caminhando. Seu olhar se dirigiu para os currais vazios. O gado não estava lá, nem os touros de lida, nem aqueles cavalos que tanto havia amado. 
Somente algumas ovelhas pastavam tranquilas em meio do curral de pau a pique. Um vira-lata faminto e pedinte se aproximou para cheirá-la. Piedade lhe acariciou a cabeça sem medo e o cachorro não se afastou mais desde aquele momento.
Ainda não havia entrado na casa e se entretinha nos jardins. Os pastos estavam altos, as cercas de napindá sem cortar, e as ervas daninhas sufocavam as plantas tão bem cuidadas em outros tempos. 
Suspirou resignada e se dirigiu para a porta principal. Não tinha sido uma decisão fácil. Era consciente que deveria silenciar os fantasmas do passado e não havia melhor ideia do que se dirigir ao lugar dos fatos. Desistiu de usar um de seus vestidos novos. Para viajar escolhera uma saia simples e uma blusa abotoada até a base do pescoço.
Sabiamente também levou um de seus xales de lã para se proteger daquele frio gelado que lhe atravessava as entranhas. Usava, como único adorno, um colar de pedras desiguais. Já não era uma jovenzinha crédula, cheia de ilusões e medos, mas uma mulher segura de si mesma, disposta a terminar de uma vez por todas com seu passado. Arrumou um cacho dos cabelos que havia escapado de seu rodete e seus olhos escuros contemplaram a casa.
Aquela casa principal fora construída por seu avô nas terras que havia comprado a um preço irrisório. Nada restava de tanto esplendor. A casa estava ruim pela falta de cuidados e pela devastadora inundação.
As paredes descascadas necessitavam pintura, e as portas e janelas de carvalho clamavam pela presença de um carpinteiro.
Pegou uma chave em sua bolsa e, com certa apreensão, abriu o cadeado e empurrou a porta suavemente.
O cheiro do lugar fechado a invadiu por completo e não pode evitar distinguir aquilo que a havia acompanhado desde pequena: um cheiro almiscarado, denso, que habitava todos os espaços do lugar.
Os móveis se encontravam cobertos por lençóis e os lugares estavam velados por teias de aranhas. 
Uma tênue claridade se filtrava através dos postigos fechados. Tirou a tulipa de cristal de uma lâmpada, soprou o pó da mecha, não sem antes verificar se havia azeite. 
Acendeu-a e percorreu os aposentos um a um: o de Honório, com a austeridade de um soldado e o de Emília, que não fora ocupado desde seu desaparecimento. 
Antes, ela sempre o enchia de flores e o abria para ventilar pelo menos uma vez por mês. Ainda se respirava o ar leve de sua presença. Continuou avançando pelo corredor até chegar aos aposentos dos rapazes: o de Jeronimo e Nicholas onde ainda se podia ler em uma velha escrivaninha, os pensamentos do mais velho: “Eu o odeio, José Manuel, odeio você”










Veja vídeo do lançamento.