Mostrando postagens com marcador Coração Mudo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Coração Mudo. Mostrar todas as postagens

12 de junho de 2009

Coração Mudo





Capítulo um

Outubro, 1792


Dominique debruçou-se sobre sua cômoda, puxando impacientemente as gavetas antes de lançar seus dedos na captura de seus conteúdos.
Lançou de lado um cachecol tremeluzente de gaze que ficou apenas momentaneamente no alto do guarda-louça antes que deslizasse sobre a borda,carregado como uma chapa embutida da porcelana de Sèvres que deslizou vivamente ao assoalho com o ruído de uma cachoeira. Um leque delicado de marfim seguiu, tinindo no serviço de mármore, onde rolou repetidamente, o pequeno som cortante como uma faca através do silêncio pesado.
Como se em resposta, uma voz sussurrou do outro lado do recinto. "Depressa",
dizia, e Dominique olhou para cima, agitada pela urgência investida nas palavras.
A luz do único candelabro criava grandes sombras dançantes nas paredes brancas revestidas de painéis e no teto pálido, tornando difícil penetrar os cantos mais profundos; ninguém além de Dominique via sua criada pelas janelas. Thérèse psicionava-se como uma pedra, seu corpo esguio e jovem tenso jogado para trás como um espesso veludo balançando na escuridão.
Sua mão apareceu pálida e gélida contra a cortina, enquanto ela olhou a vastidão abaixo. Apesar de ter falado suavemente, suas palavras continham mais terror que um grito.
- Eles estão vindo - ela disse. Foi tudo que ela tinha que dizer.
Por um instante, Dominique enfiou estupidamente um minúsculo lenço que ela puxara de uma gaveta, então ela deixou-o cair e correu para onde sua criada se posicionava.
Com os dedos trêmulos, ela gesticulou para que a criada puxasse para trás a margem da cortina.
Num primeiro momento tudo o que ela podia ver era a obscuridade, mas seus olhos se ajustaram, o brilho pálido da lua ajudou-a a detectar seus marcos familiares de picareta nos gramados abaixo. Tudo pareceu como devia ser até que ela viu as luzes, baixas demais para serem estrelas, que cintilaram na inclinação da colina. Com um suspiro involuntário, Dominique identificou o tremeluzir do brilho das tochas que assinalavam a aproximação dos aldeões.
- Estou quase pronta - ela disse suavemente para a garota a seu lado, mas Thérèse, ainda com o olhar perscrutador na noite, não respondeu. Dominique também achou difícil tirar seu olhar da terrível, contudo compelente, cena. Foi como se todo o medo e o pavor de poucas horas atrás, certamente dos últimos anos, tomassem forma diante de si, coalescendo nas fagulhas e agarrando-a como um coelho na toca.
Ela não gostava desse sentimento e, com um vagaroso balançar de cabeça, expulsou a imagem de si mesma como a presa indefesa de um caçador.
Deixando cair sua mão, Dominique virou para longe da janela e lembrou a incumbência que guiava seu pensamento antes da visão das tochas. Ela correu de volta à cômoda, mas em seu atordoamento, o xale que foi envolvido precariamente em torno de seus ombros enganchou-se em uma das gavetas abertas. Dominique puxou o xale frustrada, espalhando artigos de tocador e lembranças no chão.
Frascos de vidro caíram silenciosamente no profundo carpete, derramando seu precioso perfume sobre cartas ora estimadas, laços de cabelo favoritos e leques frágeis.