Mostrando postagens com marcador Mary Daheim. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Mary Daheim. Mostrar todas as postagens

14 de setembro de 2014

Amor Pagão


A longa capa negra e a máscara evocavam mais perigo que a arma que o salteador trazia nas mãos. 

Sobressaltada, Honor viu-o aproximar-se, os olhos fitando-a com uma intensidade que a desconcertou. "Perdoe-me, milady, mas preciso de suas joias e dinheiro.
" De nada adiantaram os protestos. 
Honor foi roubada de tudo que restara de sua fortuna e que pretendera transferir para Londres.
Ela quis agredi-lo, desafiar tanta ousadia; porém, antes de partir com seus comparsas, o mascarado ainda a tomou nos braços e a beijou, saboreando os lábios de Honor como a uma exótica iguaria.
"Não vou perdê-la de vista", prometeu à estarrecida Honor Dale, sem saber que acabara de atacar a sobrinha de Oliver Cromwell, o líder puritano da Inglaterra!

Capítulo Um

Honor Dale fitou a mão direita, reticente. Pouco discreta, a pérola do anel de noivado destacava-se sob a luva de pelica. Talvez não devesse estar usando a joia. Escondê-la junto às outras na capa, porém, podia parecer uma afronta a sir Tyler Vail.
Lamentavelmente, seu noivo não aguardaria a carruagem vinda de Oxford, ocupado demais que estava com seus investimentos na Bolsa Real. Ainda assim, meditou Honor, não seria direito chegar a Londres para o casamento sem o anel.
Erguendo o olhar sob os cílios longos e dourados, percebeu que o casal sentado no banco oposto examinava-lhe a mão com indisfarçada curiosidade. Ao lado dela, no assento pouco confortável, um homem rude e corpulento, conhecido como dr. Kennel de Kenilworth, chacoalhava de um lado para o outro, como um barco na tempestade.
— Quem ousou chamar essas carroças de "coches voadores" certamente jamais pisou em uma delas! — resmungou o médico, caindo primeiro de encontro a Honor, depois contra a parede do barulhento veículo.
— Não guarda mesmo nenhuma semelhança com uma criatura alada... — observou com afetação a mulher de cabelos grisalhos presos com rigor sob um chapéu.
Honor concordou mentalmente, embora não fizesse nenhum comentário. Esforçando-se para ignorar a trilha acidentada, concentrou-se na paisagem composta de cerrados e faias. O coche gemeu ao contornar uma curva e, projetando-se para a frente, ela buscou equilíbrio. Ao tomar a carruagem, em Oxford, haviam-lhe dito que se podia cumprir a jornada em pouco tempo. Já era quase meio-dia, contudo, e encontravam-se bem a umas vinte milhas da parada, em High Wycombe.
À frente, a parelha mal entrosada de seis animais tentou vencer uma ponte estreita de pedra. O cocheiro instigou-a a prosseguir com um estalar fraco do chicote, fazendo meia dúzia de corvos alçarem voo de uma sebe que margeava a estrada.
Cinco horas de viagem, calculou Honor, tentando se acomodar melhor ao lado do médico obeso que resfolegava a cada tomada de ar. Naquele ritmo, não alcançariam Londres antes da hora da ceia. Deveria ela seguir direto para a residência de tio Oliver, em Whitehall? Os Cromwell, pelo menos, deviam estar a sua espera.
Ansiosa, manuseou as fitas negras do vestido de luto, aproveitando para tatear a capa e certificar-se de que as joias permaneciam em segurança. Reencontrar o tio não era nenhum acontecimento. Sua posição e título nobres de Lorde Protetor da Inglaterra jamais a haviam intimidado. Mesmo quando criança, o considerava afetuoso e de um surpreendente e travesso senso de humor.
A carruagem sacudiu mais do que nunca, percorrendo a estrada que serpenteava por Chiltern Hills. O casal empertigado, sr. e sra. Cosgrove, já sustentava uma expressão de alarme.
— Eu disse! — queixou-se o sr. Cosgrove, enquanto o veículo lutava com uma vala particularmente profunda. — Teria sido mais sensato viajar a cavalo.
— Não a meu ver, meu caro — o dr. Kennel observou, irônico, quase como se divertindo com o desconforto do companheiro. — Prefiro não ficar à mercê dos elementos. Era só o que me faltava, atender aos chamados de meus pacientes acometidos de crupe...
Honor percorreu o corpanzil do médico com os olhos castanhos, indagando-se se ele já não desistira de tentar encontrar uma montaria forte o bastante para carregá-lo de Oxford a Londres. Ela mesma não atinava com o motivo pelo qual resolvera viajar de carruagem. Na ocasião, os preparativos tinham sido feitos tão às pressas... O pobre camareiro de tia Lucy mal pudera acreditar quando lhe revelara a intenção de explorar a cavalo os campos ingleses.
— Uma jovem de dezenove anos? E de luto? O que não diria lady Lucy? — perguntara Master Ormsby, escndalizado.
Na verdade, não diria nada, já que a pobre estava morta havia mais de um mês. De qualquer forma, refletiu Honor, não tinha a menor intenção de desdenhar a memória da tia. Por mais inconsequente e aborrecido que fosse o apego de Lucy Dale Ashford a detalhes e convenções sociais, ela fora para Honor uma verdadeira mãe naqueles últimos dez anos.
Um solavanco devolveu Honor ao presente. O coche inclinou para um lado, arremessando-a para cima do médico obeso. Vexada, ela lutou para endireitar o corpo, consciente do prazer estampado nas feições de Kennel.
— Eh-eh... — ofegou ele, deliciando-se com o contato do corpo jovem contra o seu. — Parece que viajar de carruagem tem lá suas vantagens.
Honor apoiou o pé na parede do carro, buscando equilíbrio e recompondo-se com dificuldade. No outro assento, os Cosgrove faziam o possível para se desembaraçar um do outro com o mínimo de dignidade.
— Com mil demônios! — praguejou o sr. Cosgrove, olhando por cima dos ombros da esposa. — Creio que perdemos uma roda.
— Inferno! — exclamou o médico, espiando disfarçadamente os tornozelos de Honor, esperançoso, e reprimindo um muxoxo ao perceber que ela usava botas. — Assim não alcançamos Londres antes do anoitecer.
Honor.buscou conter a própria perturbação. Graças aos céus era julho e a tarde se estenderia por mais algumas horas. Pela primeira vez, desejou ter acatado o conselho de Master Ormsby e viajado acompanhada por Yetta Ward, a inexpressiva dama de companhia de tia Lucy. 
As incessantes trapalhadas da mulher, porém, somadas a sua resistência em admitir os próprios erros, irritavam-lhe. Após o casamento, ela poderia escolher à vontade, pois Tyler devia manter um verdadeiro exército de criados.
O cocheiro foi até a porta pedir aos passageiros que descessem do veículo para que ele e o lacaio pudessem recolocar a roda. Os resmungos soaram em uníssono, mas Honor manteve a compostura, preocupada apenas em verificar se o forro da capa continuava intato. Que Deus a livrasse de perder as joias, seu único dote, agora que seu irmão Palmer se apossara da herança destinada a ambos.
Herança que, de certa forma, não era nada se comparada às terríveis perdas sofridas pelos Dale na última guerra civil. Se tia Lucy não houvesse falecido tão subitamente, talvez pudesse ter refeito seu testamento em vez de deixar o solar de sua propriedade para as duas bem casadas filhas.
Pela centésima vez, desde a morte da tia, Honor abençoou sir Tyler Vail. Não somente por ter-se apaixonado por ela, mas também por sua delicadeza em adiantar o casamento em três meses. Era bem possível que as primas dela vendessem de imediato a confortável residência de tia Lucy em Whitehorse Hill, abandonando-a à própria sorte.
Afastando-se dos outros, Honor sentou-se à sombra de uma densa faia. A não ser por umas poucas folhas caídas, o solo não apresentava nenhuma vegetação rasteira. Segurando a borda do chapéu negro, olhou para cima, mal podendo avistar o céu azul por entre os galhos cheios. Apenas os grunhidos de esforço do lacaio e o tinir do eixo da roda rompiam o silêncio em Chiltern Hills.
Só então ela se deu conta do quão exausta e faminta se encontrava. A atribulada viagem de coche provara-se bem mais fatigante do que pudera imaginar.
Ajeitando-se melhor contra o tronco da árvore, fechou os olhos e procurou relaxar. Após alguns minutos, adormeceu. Sonhou que avistava sir Tyler Vail, com os cabelos loiro-acinzentados esvoaçando à brisa do verão e as feições nobres abertas num sorriso, à porta de sua elegante residência na praia. Estendia os braços para recebê-la e ela corria para ele.
De repente despertou, deparando-se não com sir Tyler, mas com um estranho usando uma capa e uma máscara.
— Tão linda donzela ocultando-se nas árvores?

26 de maio de 2013

Bela Sedutora





Inglaterra, 1695 


A revelação foi recebida com alegria e perplexidade por Eden Berenger: ela, uma humilde camponesa, era filha de um conde! Uma vida de riqueza e felicidade poderia aguardá-la na corte, se o pai não fosse subitamente preso sob a terrível acusação de traição. 
Para salvá-lo, ela precisava conquistar a simpatia do rei William... Tinha de se tornar sua amante! 
Princípios morais e religiosos afligiam a alma atormentada de Eden. 
Mas a pior provação era conviver com o enigmático e atraente nobre Maximilian de Nassau-Dillenburg. 
Encarregado de prepará-la para entrar na corte, acaba conquistando seu coração. 
Cheia de amor e ousadia, Eden iria surpreender Maximilian e o inflexível rei da Inglaterra. 

Capítulo Um 

Kent, 1695
Gerard tinha voltado da batalha em Namur com uma das pernas entrevada e em estado de espírito melancólico. 
A época natalina havia passado sem grandes alegrias e comemorações no lar dos Berenger. 
Embora tropas inglesas e holandesas tivessem conseguido recapturar uma importante fortaleza em Brabant, a vitória custara um preço alto ao filho mais velho da família.
Eden fazia o possível para melhorar o ânimo de Gerard. Acabava de sugerir que fossem passear de trenó pelo pomar, ou deslizar encosta abaixo das colinas à volta da vila. 
Ele recusou a idéia, porém Eden estava determinada a arrancá-lo para fora não só da casa como de dentro dele mesmo.
— Estou precisando de outra companhia além da dos carneiros — argumentou ela, puxando-o pela manga. — Podemos ir até Romney Marsh. Você sempre gostou de pescar na restinga em Dungeness.
Cético, Gerard sorriu.
— Isso foi antes de ficar ferido. Quanto a você, duvido que se sinta solitária na vila. Os rapazes de Smarden mostram-se bem entusiasmados com você.
Eden arqueou as sobrancelhas.
— Prefiro os carneiros. Os moços daqui são sombrios e sem um pingo de senso de humor e, muito menos, de inteligência. 
A maioria é mais capenga do que você, apesar de todos contarem com duas pernas boas — declarou, disposta a não ignorar o problema físico de Gerard e recusando-se a mimá-lo como o resto da família o fazia.
Prestes há completar dezenove anos, Eden havia aprendido a enfrentar a vida com firmeza, exceto por aquela parte secreta do coração que jamais deixara de chorar pela perda do pai ocorrida há tanto tempo.
— Está muito frio — protestou Gerard irritado. — Esse tempo provoca dor na minha perna.
Eden levantou-se da cadeira à mesa e foi até a lareira onde revirou as achas crepitantes com um espeto de ferro.
— O sói vai acabar saindo. Aposto como não vai nevar hoje. Gerard pensava numa outra desculpa quando Cybele e Etienne, com os rostos vermelhos de frio, irromperam porta adentro. Viúva há pouco tempo e com dois filhos, Cybele tinha se tornado gorducha e adquirido constante mau humor.
— Onde estão nossos pais? — perguntou Etienne com expressão preocupada nas feições irregulares.
— Saíram — respondeu Eden em tom seco e ao puxar Gerard pelas costas da camisa. — Nós também estamos indo. Vamos mano, dar uma chegadinha na vila como planejamos.
— Espere Gerard — determinou Etienne com um gesto nervoso das mãos. — Umas visitas estão chegando aí. Deve ser negócio importante, garanto. Você também, Eden, não saia — ordenou fitando a irmã adotiva com olhar malévolo.
— Etienne tem razão — aparteou Cybele enquanto pendurava o pesado xale preto num cabide ao lado da porta.
Como sempre, ela se sentia afrontada com a aparência de Eden. 
Os cabelos avermelhados caíam-lhe 'fartos e ondulados pelas costas, a boca bem delineada iluminava-se sorridente ao menor indício de algo engraçado e os olhos enormes, escuros, assentados em distância perfeita um do outro, eram ornados por cílios densos e ficavam sob sobrancelhas bem arqueadas. 
Eden também tinha um corpo delgado e pele acetinada, cor de creme. Sua estatura era média, porém a silhueta esguia provocava a ilusão de ser mais alta. Movia-se com leveza e vivacidade. 
“Nem um pouco sóbria”, Cybele costumava criticar com aspereza. 
O comentário contava sempre com a aprovação de Etienne e Genevieve que gostavam de repeti-lo quando achavam a exuberância de Eden exagerada. 
Aliás, era essa alegria e amor à vida do membro adotivo da família que mais a irritava. Até Gerard não mais considerava a personalidade aberta e expansiva de Eden tão atraente como lhe parecera antes da batalha de Namur.