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10 de março de 2018

Ninguém Me ofende Impunemente

Ayla e Cadha Singht vivem sozinhas, por opção, em uma remota ilha escocesa, longe das danças, festas e agitação que prevalece na cidade.

As duas irmãs parecem se importar unicamente com suas terras indomáveis: isso é tudo o que elas querem e pensam, que nada e ninguém poderão levá-las embora. No entanto, seu pai tem outros planos, e com a chegada de Rob Cunningham, um convidado misterioso, e Michael Campbell, o novo administrador, será ameaçada a relativa paz que as duas jovens têm desfrutado, até agora. Ayla e Cadha serão capazes de encontrar a felicidade e o amor que a vida parece negar-lhes? Ou há segredos e, talvez, valores mais poderosos do que seus verdadeiros desejos?

Capítulo Um

1843
— Não é muito cedo para beber? A gente esperaria que te contivesses ao menos até o jantar.
O homem elevou a vista da partida de xadrez que se desenvolvia diante dele e, ao reconhecer o seu amigo, soltou uma gargalhada burlesca. Recostou-se na cadeira de madeira de mogno, estofada em couro escuro. Sustentava na mão uma taça de absinto, um licor de sabor de anis e cor esverdeada, que já tinha provado, anteriormente, em uma de suas viagens a França.
Lambeu os lábios.
— Cedo? — Perguntou devagar e arrastando as palavras. — Nunca o é para beber, e menos se o motivo for uma celebração — elevou a voz no último momento para que todos pudessem lhe escutar de novo.
Neil Bishop gostava de fazer-se notar e gabar-se de suas vitórias. Desde quese instalouem Irvine, um ano atrás, seus amigos e conhecidos tinham começado a se precaver de seus alardes e gostos caros. Por isso, necessitava uma quantidade enorme de dinheiro, que ajudasse seus gastos.
Essa tarde se sentia afortunado. O negócio que trazia entre as mãos, desde fazia um tempo, começava a dar seus frutos: emprestar capital aos nobres com problemas financeiros. Seu último cliente, por assim dizê-lo, era um barão do norte da Inglaterra que tinha ido ao Irvine com a única intenção de fazer negócios com ele. Depois de investigar suas finanças e seu patrimônio, Neil lhe emprestou a soma requerida… sim, com uns juros exorbitantes. Não sabia como o tinha conseguido, mas o cavalheiro havia pagado o empréstimo em apenas três meses, aumentando, com isso, suas riquezas.
Na última hora, todos os clientes do Milne’s Inn tiveram conhecimentoda quantidade exata que ele tinha ganhado. Umaatitude pouco inteligente, se fosse consciente da inveja que poderia chegar a despertar. Entretanto, sentia-se orgulhoso de provocar semelhantes sentimentos.
Edwards arqueou uma sobrancelha e o olhou com ar malicioso, sentando-se,em seguida, junto a ele. Os outros dois homens seguiam jogando xadrez sem mostrar o mínimo interesse na conversa.
— E por que…? — Expressou, cheio de curiosidade.
Posto que seu amigo desconhecia a notícia, era o momento de lhe pôr apar. Depois poderia desfrutar-se.
— A vida me sorri! E por que, não?
— Isso quer dizer que vais me convidar a um jantar? — Sugeriu o homem em tom jocoso. Estava acostumado ao exagerado modo de atuar de Bishop e era, igualmente, fanfarrão. Possivelmente, por isso, se levavam tão bem. — Poderíamos enfeitá-lo com companhia feminina.
Neil não teve tempo de avaliar a oferta de seu amigo. Por sua mente passou a imagem de uma jovem dama de cabelos dourados e olhos sedutores. Seu rosto fino e delicado ia acompanhado de um temperamental caráter, que jazia escondido sob uma aparência angelical. Era a ela a quem queria possuir e não a uma vulgar rameira. 
Seus gostos eram muito elevados para conformar-se com uma simples prostituta. Para um dia qualquer, talvez, mas naquele momento se sentia eufórico.
Disse-se que já era hora de submetê-la aos seus caprichos e fazê-la tragar suas palavras de desprezo. Fugia de sua presença, apenas lhe dirigia a palavra e o tratava como se não fosse um cavalheiro suficientemente bom para ela. Embora fosse bom amigo de seu pai e, ele daria por boa uma aproximação entre ambos, ela insistia em lhe rechaçar.
Pensou que com o Elliot Singht em Edimburgo aquela seria a ocasião perfeita para fazer uma visita à ilha. Não estava bêbado, necessitavam-se umas quantas taças a mais para conseguir embebedá-lo e, embora fosse tarde, não poderiam lhe negar hospitalidade.
Sorriu para si mesmo, satisfeito. Não podia negar que a desejava e que lhe fervia o sangue ante a perspectiva de tê-la. Aquela repentina ideia estava formando vida própria. Podia imaginar-se com a dama entre seus braços, somente para si. Dir-lhe-ia umas palavras bonitas e lhe contaria quão bem ia nos negócios. Isso mudaria a opinião tão mísera que tinha dele. Uma vez abrandada, ser-lhe-ia muito fácil meter-se entre suas pernas.
Neil decidiu que esta noite ela seria sua, custasse o que custasse.
— Sabe o que? Convidarei-o a um jantar outro dia.
— De repente têm melhores coisas que fazer?
Embora Edwards não parecesse molesto, Bishop deduziu que lhe devia uma explicação.
— Certa dama me espera.
De repente, estava impaciente por voltar a vê-la. Se tudo saísse conforme esperava, a noite seria muito longa.
— E quem éessa que te faz abandonar os seus amigos?
Por uma vez teve o bom julgamento de baixar a voz e lhe falar da jovem, quase em confidência. Edwards já estava a par de quem ele gostava. O que lhe surpreendera fora a ousadia de seu plano. Tratou de lhe fazer mudar de ideia. Podia cometer uma estupidez, por uma simples noite de prazer. Não era bom aventurar-se no mar àquelas horas, ainda mais quando ficava tão pouco para o anoitecer e com o forte vento que soprava.
Não conseguiu convencê-lo. Neil deixou o Milne’s Inn, de High Street,pouco depois. Montou-se em uma carruagem de aluguel e deu as indicações ao chofer.
— Para o porto — anunciou impaciente.
Apesar de tratar-se de uma ordem direta e singela, o chofer vacilou um momento.
— Algum problema?? — Resmungou Bishop, em voz alta. Não estava de humor para que um simples chofer lhe expusesse os mesmos inconvenientes que Edwards. Ele sabia o que fazia.
— Não, senhor — lhe escutou dizer, dando-se por satisfeito.
Desceram pelo Bridgegate, cruzaram o rio e se dirigiram para a zona do Fullarton, ondedisse ao chofer que esperasse.
Era perto das quatro da tarde e o sol desaparecia depois do horizonte, embora ainda houvesse suficienteluz para mover-se com liberdade. Sim, não tinha muito tempo. Assim que colocou o chapéu, subiu as lapelas do casaco, comprido e marrom, protegendo-se do frio, e foi em busca de qualquer homem disposto a lhe levar à Ilha de Beith, apesar do temporal.
Contra o que tinha esperado, a essas horas, o porto parecia deserto. Começava a acreditar que teria que voltar para casa sem ter podido satisfazer suas necessidades. Estava a ponto de dar meia volta, frustrado, e ainda sem aceitar totalmente uma derrota, quando se fixou no velho marinheiro que pescava noconvés de um barco. O barco de pesca era pequeno, de aproximadamente vinte e cinco pés e possuía um casco pouco profundo. Ao parecer, deduziu Bishop, só necessitava de um tripulante para navegar.
Neil Bishop sorriu suavemente. Confiava em que aquele velho estivesse o bastante louco para arriscar-se a sair nesse mesmo instante.
Se não era assim, tinha uma fórmula infalível para convencê-lo.
— Seus olhos olhavam fixos para frente e dominava, sua pessoa, uma rigidez pétrea. Mas, quando posei minha mão sobre seu ombro, um forte estremecimento percorreu seu corpo, um sorriso insalubre tremeu em seus lábios, e vi que falava com um murmúrio baixo, apressado, ininteligível, como se não advertisse minha presença. Inclinando-me sobre ele, muito perto, compreendi, por fim, o horrível significado de suas palavras: Não o ouve? Sim, eu o ouço e o ouvi. Muito, muito, muito tempo... muitos minutos, muitas horas, muitos dias o ouvi, mas não me atrevia… ah, compadeça-me, mísero de mim, desventurado! Não me atrevia… não me atrevia a falar!