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10 de dezembro de 2017

O Casamento Pagão

Série Cavaleiros de Ware
Quando Sir Noёl de Ware vem da França para reivindicar sua noiva ― a mais bela herdeira das Terras Altas ― ele tem certeza de ter recebido o melhor presente de natal... até que ele descobre que a moça com quem está casado e na cama, não é a irmã certa.

Ysenda de Rivenloch nunca pretendera ser uma noiva falsa, e quando começa a se apaixonar por seu belo marido, fica presa em sua própria decepção.
Somente o amor verdadeiro e um desejo de natal podem definir as coisas de forma direta e conceder-lhes um final feliz.

Capítulo Um

Época do Natal, 1199
Ysenda odiava a época do natal.
Ao seu redor, o clã celebrava com banquetes e aplausos. O animado festejo encheu o grande salão. O riso e a música ecoavam pelas vigas. Ainda assim, ela franzia a testa para o copo de madeira meio vazio.
Sua aversão não tinha nada a ver com a ceia.
Quem poderia reclamar sobre a comida suntuosa que cobria a mesa a cada noite de natal? Esta noite havia uma cabeça de javali suculenta, carne de carneiro defumado, veado assado, poção de coelho, berbigão, avelãs, queijos e copos infinitos de cerveja de inverno.
Ela nem se importou com a alegria bêbada que inevitavelmente seguiu.
Canções estridentes expulsaram a tristeza. Rapazes fortes agarravam as meninas risonhas. A música de flautas, harpa e tambores enchia o ar. A dança barulhenta encorajava o retorno do sol após o solstício.
Os ramos de azevinho decorando o salão pareciam reconhecidamente festivos. Da mesma forma, a hera cobria a grande lareira. O visco pendia em todas as portas para a boa sorte.
As velas de sebo luminosas colocadas sobre a sala, faziam com que os feixes de madeira áspera parecessem aconchegantes e acolhedores ao olhar.
Por uma vez, apesar de estar lotado com as pessoas se acotovelando, ninguém do clã estava brigando. Todos estavam recém-banhados, sorridentes e vestidos com a melhor roupa.
Mesmo Ysenda fez um esforço. Ela se banhou em água perfumada com lavanda, e lavou sua túnica de linho até ficar tão branca quanto a neve lá fora.
Em cima disso, ela usava seu melhor vestido de lã cinza suave. Escorrendo por sua cintura e em seu peito tinha um manto de xadrez cinza claro, preso no ombro com um broche de prata. Seu cabelo castanho normalmente rebelde, estava preso na coroa por duas tranças estreitas, amarradas na parte de trás com uma fita e levemente perfumado com mais lavanda.
Ela se sentia bonita... quase tão bonita quanto sua irmã.
― Caimbeul! ― Do outro lado do salão, acima dos seus amigos gritando, um dos muitos rufiões entediados agarrou uma moça pelo braço e gritou para o irmão mais velho de Ysenda.
― Caimbeul! Por que você não dança com Tilda aqui?
Ysenda enrijeceu quando Tilda se afastou com um rubor horrorizado. Todo mundo riu.
Era por isso que ela odiava as festas de natal.
Ao lado dela, Caimbeul sorriu da brincadeira. Mas Ysenda sabia que estava morrendo por dentro. Ele queria tanto se encaixar, ser como eles.
Na maioria das vezes, ele podia fingir que era. Na maioria das vezes, Ysenda esquecia que ele era diferente. Quando os dois estavam sozinhos, ele parecia tão bem feito e apto como qualquer homem.
Foi só quando eles foram forçados a aparecer publicamente, como na festa do natal ― sentados ao lado de sua irmã e pai como se nada estivesse errado ― que sua diferença ficou dolorosamente clara.
Uma vez que a multidão se reuniu e a cerveja estava fluindo, as provocações e as risadas começaram. E para a desonra de Ysenda, seu pai, Laird Gille, não fez nada para evitar a zombaria.
Por que ele iria? O laird tinha desaprovado seu filho deformado à primeira vista. Na verdade, a única razão pela qual ele deixara o menino viver, foi porque Caimbeul tinha seis meses de idade quando o laird voltou para casa de suas viagens e, então, colocou os olhos sobre ele.
A feroz mãe de Ysenda, descendente das infames Damas Guerreiras de Rivenloch, ameaçou a vida do laird se ele tocasse num fio de cabelo de seu precioso filho.
Ao lado dela, Caimbeul suspirou e abaixou seu bolo de aveia meio comido. Ysenda seguiu seu olhar. Um grupo de crianças brincavam ao lado da lareira. Imitando seus irmãos mais velhos, eles estavam se divertindo com o personagem coxo, caracteristica de Caimbeul.
Ela apertou sua adaga enquanto comia e murmurava:
― Aqueles filhotes de carneiros. O que eles acham que estão fazendo?
Ele deu uma risada triste e indulgente. ― Eles são apenas crianças, Ysenda. Eles não conhecem nada melhor.
― Oh, eu ficaria feliz em ensiná-los, ― disse ela entre os dentes. ― Talvez eu os cuspa e os asse lentamente sobre o fogo de natal.
Isso o fez sorrir. ― Ah, soa como a nossa mãe.
― É desrespeitoso, ― ela insistiu. ― Você é o filho do laird.
Na verdade, ele era o único filho do laird. O primogênito. Ele deveria ser o herdeiro do clã. Mas ele também podia ser invisível. Sua presença era esperada nas festas de férias quando o clã inteiro enchia o salão. Ele foi autorizado a sentar-se ao lado de Ysenda quando o laird sentou-se entre suas filhas. Mas Laird Gille não lhe deu atenção. Poderia ter tido uma parede de milha-alta entre Caimbeul e seu pai.
Ainda assim, foi insensível por parte de Ysenda lembrá-lo disso. Ela instantaneamente se arrependeu de suas palavras.Para corrigir e aliviar o humor novamente, ela deu a Caimbeul uma piscadela conspiratória. Então, quando seu pai não estava olhando, ela usou sua adaga para roubar uma fatia de javali da trincheira do laird, deixando cair sobre o de Caimbeul. Caimbeul sorriu e cavou dentro.
Ysenda não pôde deixar de sorrir de novo. Como alguém podia ignorar o gentil humor nos macios olhos castanhos de Caimbeul ― sua bondade, sua lealdade, sua natureza doce, ― ela não sabia. Ela supôs que a maioria das pessoas nunca viu além de seu corpo aleijado.
Chamá-lo de Caimbeul, que significava boca torta, tinha sido educado. Para ser honesta, parecia que não havia um osso em seu corpo que fosse reto. Suas costas estavam encurvadas.
Sua espinha tinha a forma de uma cobra se arrastando. Seus quadris eram torcidos. E um ombro era mais alto que o outro. Em cada ano que passou, sua deformidade piorou, como se as garras cruéis de um dragão se fechassem lentamente ao redor dele, deixando seu corpo mais torcido e inútil.
  
  


Série Cavaleiros de Ware
0.5 - O Casamento Pagão