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20 de janeiro de 2017

Olhos de Anjo

A última coisa que Justin Connor esperava encontrar era uma jovem mulher adormecida na areia, lançada pelo mar na agreste costa da Nova Zelândia. 

Embora não estivesse disposto a renunciar à solidão a que havia-se refugiado nessa ilha, Justin se sentiu obrigado a resgatar essa misteriosa náufraga, sem se dar conta de que, com sua radiante beleza e sua valentia, ela terminaria destruindo a paz que tanto lhe havia custado conseguir. 
Ainda mais quando a jovem é nada menos que Emily, uma nobre órfã e despojada de sua herança que percorreu meio mundo para encontrar o homem que havia prometido a seu pai cuidar dela, e que, em vez disso, a deixara interna em uma escola da Inglaterra. 
Confusa e presa de uma voragem de emoções, Emily está decidida a vingar-se de Justin por seus anos de solidão, embora para isso deva romper-lhe o coração.

Capítulo Um

Minha querida filha, rezo para que quando receba esta carta se encontre bem…
Nova Zelândia, Ilha do Norte, 1872
— Se há alguma moça atrevida a quem falta uma boa surra, essa é Emily Claire Scarborough! — Barney reprimiu um grunhido e quase provocou o riso em Emily. Ela se voltou, apoiando as costas na proa do pequeno vapor. Olhava para ela exibindo um gesto de ódio com seu rosto marcado pela varíola. Flexionou suas mãos secas no corrimão do barco e murmurou: — E eu sou a pessoa que deveria dá-la. Doreen agarrou seu irmão pela orelha e a retorceu com a mesma destreza que fizera com que se convertesse no terror das alunas do Colégio para Senhoritas de Foxworth.
— Ai, irmã! — Gritou Barney. — Solte-me! Não lhe coloquei a mão encima, pelo menos até esse momento…
— Mas quer lhe dar uma surra… creio que o que gostaria é de se deitar com ela. Ontem vi como a fitava enquanto a metíamos em seu vestido elegante.
Emily riu e Doreen torceu mais forte a orelha. Se havia enraivecido ainda mais ao perceber que, por um lapso, usara o sotaque suburbano. Todos sabiam que havia conquistado um lugar ao sol na escola graças à sua habilidade de fazer gozações com a forma refinada de falar das classes altas. Isso e o rápido desmoronamento das finanças da senhorita Winters.
Barney afastou sua mão.
— A estar com vocês duas, menininhas, preferiria estar cego e surdo até chegar à Nova Zelândia. Mulheres!
Cuspiu, depois de ter incluído de má vontade sua irmã em seu áspero comentário.
Eram uns furões raivosos, pensou Emily.
Tinha sido arrastada por meio mundo por um par de furões raivosos. Caminhavam como bípedes e usavam chapéus e guarda-sóis, mas, mesmo vestidos com sedas e diamantes, não podiam dissimular sua verdadeira… ―furonidade !! Esfregou os braços. Estavam avermelhados pelos beliscões de Doreen. Estava certa que a morderia se não fosse por temer que ao capitão lhe parecesse pouco civilizado. Ou talvez porque pensava que ela poderia lhe responder com outra mordida.
Suspirou. A pequena barcaça resfolegava pela água, deixando um rastro no mar de cor azul forte.
Barney coçou o pescoço. O terno de lã que a srta. Winters lhe havia comprado antes de sua saída era adequado para o vento fresco de Londres no outono, mas não para as brisas quentes da Nova Zelândia. Ademais, o terno, evidentemente, era dois números menor que o seu.
Secou o suor da testa:
— Este país não é normal. É como ter chegado ao inferno antes do tempo — apontou para Emily com o olho bom — e, se isso for verdade, esta estúpida é a cadela do diabo. Olhe para ela. Parece que é a dona deste maldito barco a vapor, e também do Mar da Tasmânia.
Sua irmã não olhou para Emily, mas para a cabina de comando. O velho capitão estava caído, meio adormecido sobre o timão.
— Ela poderá ser a dona quando a deixemos nos braços de seu rico tutor — disse Doreen. — Esse pretensioso herdeiro do duque tem que pagar todo o dinheiro que deve à pobre srta. Winters por cuidar desta pequena bruxa todos esses anos. E 10% disso vai para nós dois.
-Deveria ser a metade — murmurou Barney enquanto tocava o brilhante hematoma que tinha debaixo do olho. Emily se sentiu tentada a lhe dar razão.
Na segunda tinha molhado com salmoura suas comidas.
Na terça jogado fora o whisky de Barney, e trocado pelo conteúdo do penico de sua irmã.
Na quarta lançou sua única muda de roupa pela murada, fazendo com que fosse obrigado a nadar atrás dele completamente nu. Enquanto isso, Emily se fez um corte no dedo para jogar seu sangue no mar com a esperança de atrair tubarões. Doreen e o foguista tinham tido dificuldade em controlá-lo para evitar que a atirasse ao mar. Essa mesma manhã lhe havia deixado com um olho roxo com um soco quando ele e Doreen estavam tirando seu avental humilde para lhe colocar um vestido.
— Nem sequer tem a decência de usar um guarda-sol — grunhiu Barney.
Tinha a cara cheia de espinhas e a de Doreen, após cada dia de viajem, estava cada dia mais pálida. Em troca, Emily tinha a ousadia de expor sua cara ao sol e estava ficando morena como uma castanha.
— Ao menos finalmente conseguimos que esse pequeno demônio com jeito de rapaz use um vestido apropriado — respondeu Doreen.
O olhar de Barney percorreu de cima abaixo o corpo de Emily, conseguindo fazer com que estremecesse. Emily sabia que não a achava assim tão masculinizada, embora odiasse admiti-lo. Ainda lhe doíam os seios pela pressão que tinha exercido com seu ossudo corpo enquanto a agarrava para que Doreen pudesse atar as fitas da armação do vestido. Então se pôs no extremo da sacada, o mais longe dele que a coberta do barco lhe permitia. Enquanto Barney a fitava dissimuladamente, ajeitava as calças. Emily desejou estrangulá-lo. Doreen lhe bateu nas orelhas.
— Mantenha suas mãos sujas onde eu possa vê-las. Não podemos estragar tudo agora. Nos deram este trabalho somente porque a srta. Amélia não podia se permitir o luxo de enviar outros investigadores.
Barney lhe respondeu com um queixume, que foi interrompido pelo grito do capitão:
— Terra à vista!