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3 de janeiro de 2018

Somos Você e Eu

Emily Gardiner, aliás Mary Taylor, como é conhecida nas ruas do East End londrino, sobrevive como pode com os "trabalhos" pouco legais que realiza pelo centro da cidade mais cosmopolita e colorida do mundo: Londres do final do século XIX.

Emily, que mal tem 18 anos em 1890, cresceu na casa de uma grande família inglesa, onde a sua mãe é costureira a tempo integral e onde as diferenças sociais, as injustiças e o recalcitrante classismo que deveria absorver desde que nasceu, forjam nela um caráter guerreiro e independente, forte e com tanto temperamento que a empurram, aos quatorze anos, a abandonar essa vida em busca de uma nova, longe de sua mãe e rodeada de inúmeros perigos.
No entanto, embora tudo esteja contra ela, Emily Gardiner luta e sobrevive, planeia um futuro estável e independente junto a seus sócios, Molly e Winston Everhard, que serão a sua nova família e caminha com passo firme e seguro pelas convulsas ruas do centro da cidade, até que a aparição de uma personagem, completamente inesperada, lorde George Connaught, médico militar recém-chegado da Índia e filho do poderoso duque de Stevenage, altera as suas prioridades, os seus princípios, a alma e enche a sua vida de uma sensação completamente nova: amor.
George e Emily estão unidos pelo destino e apesar do abismo social que os separa, os seus caminhos se cruzam, no meio de perigosas e apaixonantes aventuras que ambos deverão viver juntos e em separado, para conseguir que o seu amor triunfe e se sobreponha aos inimigos do presente e do passado, que farão todo o possível para separá-los.

Capítulo Um

Londres, novembro de 1890
Mary Taylor e Molly Graham se embrenharam imediatamente pelas lotadas ruas do centro. Nenhuma das duas tinha ainda completado os vinte anos, eram amigas há seis e viviam juntas num quarto de uma miserável, mas limpa, pensão perto de Charing Cross, onde podiam dormir tranquilas e onde sonhavam, todo o tempo, que a vida lhes desse de presente, algum dia não muito longínquo, um pouco de fortuna.
Olhando para a sua querida amiga, Mary a agarrou pelo braço para andar mais depressa. 
Tinha sido muito má ideia brigar com Rogelia Hewitt, uma das queridas de Bob “O Carvalho”, o desgraçado pai de Fred “O Ruivo”. Aquele tipo controlava as ruas de Londres, de acordo com a sua vontade e enfrentar uma de suas amantes prediletas iria lhes custar caro; ela sabia, mas o preço valia a pena se recordasse a cara de espanto daquela mulher estúpida, depois de ter-lhe esvaziado um balde de água gelada na cabeça.
Rogelia acreditava ser uma senhora e não era mais que uma rameira com mau gosto, como dizia Molly, e ela não ia permitir que a dita cuja abusasse de ninguém, muito menos dela, que não lhe tinha feito nada, salvo nascer mais bonita e com mais classe. 
Rogelia Hewitt não podia perdoar-lhe isso e cada vez que tinha oportunidade, fazia alguma maldade. Mary já estava cansada e por fim, tinham acabado aos gritos e Hewitt empapada em plena rua. 
Mary não se arrependia de nada mas, sentia muito por Molly, que era uma vítima inocente da sua imprudência, porque o roubo daquela noite era só o princípio. Certamente Bob “O Carvalho” tinha mandado pessoalmente o seu filho para fazer-lhes mal e não parariam até enxotá-las da cidade.
Suspirou e pensou em sua mãe.
Mary Taylor na verdade se chamava Emily Gardiner. Sua mãe, Katie Gardiner, era irlandesa e costureira em um dos palácios mais elegantes da cidade. Tinha chegado a Londres pela mão de uma nobre senhora inglesa, lady Anne Shafterbury, quando tinha doze anos; tinha-a feito vir desde Cork como serviçal e desde o começo a decisão lhe tinha saído muito rentável, Katie era uma fada com a agulha e trabalhava de sol a sol, sem reclamar. 
No palácio havia, pelo menos, seis costureiras trabalhando o dia todo, que se ocupavam tanto da roupa, como dos habitantes da casa ― seis filhos, marido e mulher, e duas tias-avós ―, um trabalho incessante. Sempre havia o que fazer e as empregadas de costura só descansavam ao domingo, se não fosse temporada de bailes, claro, porque nesse caso nem sequer podiam sair para ir à igreja.
Mas Katie Gardiner não se queixava. Emily só recordava a sua muito bela mãe trabalhando, com a cabeça abaixada sobre o tecido, às vezes com uma vela diminuta como única iluminação, às vezes colada à janela para ver melhor um bordado, mas sem perder, nunca, o sorriso. 
Era uma costureira maravilhosa e, no entanto, ganhava uma miséria, e ninguém, jamais, reconhecia o seu trabalho, por isso Emily começou a odiar os Shafterbury desde muito pequena.
Ela tinha nascido dentro das quatro paredes do palácio. A sua mãe tinha dado a luz no miserável quartito onde vivia e nessa mesma noite tinha voltado para o trabalho, porque a senhora tinha um banquete real e precisava do seu vestido novo terminado a tempo. 
As companheiras de sua mãe, as faxineiras e até mesmo a governanta lhe tinham contado isso muitíssimas vezes, mas Katie Gardiner jamais tinha querido falar sobre o assunto. Sempre era assim; ela não falava, nem se queixava e quando Emily, aos dez anos, ousou perguntar quem era o seu pai, a resposta foi uma sonora bofetada que a calou para sempre. 
Foi a primeira e a penúltima vez que a sua mãe a golpeou, mas esse resultou ser um ato contundente o suficiente para que Emily jamais voltasse a interessar-se, de forma tão aberta, por semelhante segredo.
Indagando e fazendo perguntas discretas, soube que Katie só tinha dezesseis anos quando ela tinha nascido e que a senhora a tinha mantido no palácio por pura caridade, porque poderia tê-la jogado na rua como promíscua. Mas não, a dama tinha optado por perdoar o deslize da sua costureira e lhe tinha permitido ficar na casa com a menina e criá-la como uma mais de seu serviço. 
Desse modo, Emily Gardiner, que não se parecia em nada com a sua mãe, cresceu entre agulhas, tecidos e botões, acostumando-se a brincarem completo silêncio, sem levantar a voz, nem à vista aos senhores, e permanecendo quase invisível para não incomodar. 
Emily aprendeu a ler graças aos livros que a perceptora da família, a senhorita Wilkes, emprestava-lhe às escondidas e aos oito anos, quando a puseram a trabalhar como às demais, já sabia ler, escrever e fazer contas, algo que, evidentemente, se manteve em segredo.
Era esperta e ágil, muito vivaz e tinha uma perigosa tendência para rir às gargalhadas, algo que à sua discreta mãe irritava sobremaneira, que lhe rogava prudência e sobretudo, silêncio. 
Katie não queria incomodar, preferia passar inadvertida e às vezes pedia, por entre lágrimas, à sua filha que mostrasse mais sensatez em seu comportamento. 
Emily se rebelava ante tantos medos, mas sempre acabava obedecendo para não prejudicar a sua mãe, cuja conduta era irrepreensível. Embora às vezes ouvisse a proprietária da casa ou as suas filhas gritar-lhe e repreendê-la por algo, quando, na verdade, Katie era a perfeita servidora; para além de bonita e doce, um modelo de virtude. Não obstante, Emily nunca se sentiu muito próxima dela.
Quando fez doze anos teve a sua primeira menstruação e o seu corpo começou a adquirir formas arredondadas e desconhecidas até então, aí Emily foi confinada ao lugar mais escuro da sala de costura e das cozinhas. 
A sua mãe não queria que ninguém a visse, muito menos os membros da família; especialmente, os homens. Alertava-a continuamente para que não saísse da área de serviço, e quando viu um dos empregados das cavalariças segui-la com o olhar, deu ao pobre moço tal bofetão que ele não voltou a dirigir-lhe a palavra. Emily não entendia nada daquilo e tentava obedecer, embora sem compreender o porquê de tantos temores.
Naquela época foi quando conheceu Molly em Covent Garden, uma garota ruiva, filha de irlandeses também, que brincava às corridas e trapaceava perto do mercado com os seus irmãos e restantes parentes. Molly Graham era esperta e contava histórias divertidas. 
Ficaram logo amigas e quando deixavam Emily acompanhar as serviçais nas compras, sempre se encontravam para conversar. Molly era dois anos mais velha que Emily e aos quinze começou a trabalhar como camareira em um hotel da cidade. A jovem estava feliz porque conseguir um emprego em um lugar tão elegante tinha sido um favor feito especialmente a seu pai, mas entrar no Queen Hotel seria o começo da sua desgraça e a aproximação involuntária a Emily Gardiner.
Não estava nem há um ano trabalhando no hotel quando contou que tinha conhecido um homem, um cavalheiro que dizia estar apaixonado por ela. O homem, bem mais velho do que seu pai, era amável e muito generoso, um hóspede habitual, que logo começou a dar-lhe guloseimas e vestidos de presente e quando Molly contou à sua amiga, como confidência íntima, que tinha feito amor com ele, Emily abriu os olhos como pratos.
― E isso o que é?
― Não sabes?
Molly pôs-se a rir às gargalhadas, apesar de estar na igreja.
― Shiu!, que a minha mãe me mata. ― Emily olhou para a sua mãe, que rezava o terço de joelhos uns bancos mais adiante, e se benzeu ― Não, não sei.
― Amor físico, mulher. O homem coloca o seu..., já sabes, dentro de mim, por aqui. ― Fez um gesto que quase matou a sua amiga de susto ― E é delicioso... Não no início, mas depois, Deus bendito! É maravilhoso.
― O seu...? ― Não podia acreditar ― Que nojo!