6 de janeiro de 2019

Quando o coração decide

Fanny Clark vive junto com sua família na tranquilidade rural do condado de Sheepfold.

Ali compartilha a casa com seu pai, dois irmãos e a mamãe, cuja única coisa que lhe traz maior felicidade do que as intrigas, são as conspirações para casar sua filha com alguém endinheirado. De qualquer modo, o que Fanny mais gosta é dos livros, os romances que representam mulheres decididas e amores imensos. A calma em sua vida será interrompida quando viajar a Londres para acompanhar Charlotte, sua melhor amiga, que vai ser apresentada em sociedade. Ali, Fanny conhecerá as absurdas convenções, a desnecessária ostentação e os aborrecidos bailes nos quais esbarrará com o sombrio Oliver Hawthorne, a quem ela designará de asno. A febre de sua irmã mais nova, a obriga a retornar a Sheepfold e a chegada do misterioso Jarrod Rygaard, um americano amigo de seu irmão, em sua casa, completam, para Fanny, a trama de sua própria novela: disputada por dois homens, disputada pela vida no campo ou na cidade, ela deverá escolher o que fazer para ter o que deseja.
Todo o corpo de Fanny arrepiou-se quando se deu conta, de que Oliver Hawthorne seria o melhor herói romântico, bonito e sensual, que jamais encontraria em alguma de suas novelas. E, por fim aquele herói estava ali, com ela, no melhor marco cênico que qualquer sofrida moça romântica poderia desejar. Como pudera estar tão cega até então?

Capítulo Um

Do interior da velha e desmantelada reitoria afloravam os ecos da irritante voz da senhora Clark que, por algum motivo, parecia exaltada ou desgostosa ou, provavelmente, ambas as coisas de uma vez.
Fanny suspirou paciente, e desenhou no semblante um sorriso carregado de condescendência antes de transpassar a soleira da porta e seguir o rastro que sua mamãe anciã costumava deixar atrás de si, como sinal inequívoco de sua presença.
Desatou com destreza a laçada do chapéu com uma só mão, e o pendurou de um lado. A seguir, passou a fazer parte daquela cena cotidiana, com todo o aprumo e a distância que a atitude de sua mãe permitia.
O senhor Clark permanecia sentado como de costume, na velha e maltratada poltrona sem braços, preenchendo o cachimbo com tranquilidade e fazendo caso omisso ao monólogo de sua esposa. 
Ela, de pé em frente a lareira, esmurrava com um ferro as lenhas empilhadas atrás do salva faíscas, com a mesma frieza e idêntico frenesi que empregaria para degolar frangos no matadouro.
Com o rosto, completamente vermelho por causa da excitação, a impetuosa senhora pretendia desviar a atenção de seu marido para um assunto que a ele parecia não importar, absolutamente. E semelhante abandono, por parte do cavalheiro, não podia menos que irritá-la sobremaneira.
Ao precaver-se da chegada de Fanny, o ancião elevou os cansados olhos por cima dos diminutos óculos de arame que descansavam na ponta do nariz, para fixar o olhar na jovem e obsequiar-lhe com um silencioso sorriso de comiseração. Ou, possivelmente, se tratasse de um sorriso manso e servil, que pretendia informar-lhe das sombras negras que sua mãe lançara sobre a sala durante toda a tarde, e do aspecto que ele mesmo tivera que mostrar para suportá-la e evitar ordenar a um servente que lhe costurasse a boca.
Seu irmão mais velho, Ian, permanecia sentado junto às janelas refugiado, depois do amparo que lhe proporcionara um grande gole de John Donne. 
Uma opção da mais acertada, a julgar pelo grau de excitação da senhora da casa. Entretanto, deu-se conta da chegada de sua irmã, e sua sobrancelha direita, arqueada a modo de silenciosa boas vindas, pretendeu dissuadi-la de permanecer na estadia durante muito mais de meio minuto.
— Oh!, Fanny, Fanny querida! — A senhora Clark desistiu da luta contra as lenhas e, ante a acentuada indiferença dos varões Clark, concentrou-se em chamar a atenção de sua filha. De fato, nesse momento, a aparição da moça na pequena salinha de chá, resultava para ela uma coincidência da mais afortunada. — Consegue imaginar de que maravilhosa notícia, acabo de inteirar-me?
Fanny nem sequer se incomodou em olhá-la quando enrolou-se aos pés do pai. Conhecia de sobra as excentricidades da senhora Clark, para preocupar-se sequer, em prestar atenção.
 Além disso, desde muito tenra idade, optara por imitar seu progenitor e seu irmão mais velho, e mostrar para com os exagerados arranques de entusiasmo da senhora, a mais absoluta e esmagadora, indiferença. Essa fora, sempre, a técnica de sobrevivência mais eficaz e indispensável para evitar perder de todo o juízo.
— Como poderia estar a par, mamãe? Acabo de voltar, após dar um passeio pelo campo.
A senhora Clark franziu o cenho, como se de repente a moça acabasse de colocá-la em dia de um pecado inconfessável, que a excitação do momento a obrigara a passar por cima.
— Ah sim, você e seus insofríveis passeios!



 


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