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20 de março de 2019

Inocência e Perfídia

Uma mulher inocente e um homem pérfido, mais um homem traiçoeiro.

Está claro que apenas um dos dois poderá ser resgatado do halo de maledicência que o envolve; está claro que a mulher só elegerá a um dos dois. Então, o terceiro cai da equação. Antes, porém, ele vai fazer todo o possível para ficar.
Caroline Barton vivia uma vida simples no campo inglês, em um povoado que aparentemente não se deu conta de que estavam no tumultuado início do século XIX. Ela não conhecia o mundo e o único indício que tinha de um vínculo amoroso era o de sua irmã Rachel, que se casou por amor. Caroline desconhecia, então, o quanto eram raras tais uniões. Quando Rachel estava prestes a dar à luz, a irmã mais nova mudou-se para acompanhá-la, saindo, assim, pela primeira vez, da redoma idílica em que vivia.
Em casa da irmã, conhecerá ao pérfido Sr. Diggory, que a persegue com intenções que ela rejeita. A inexperiência fará com que Caroline escolha, em vez dele, ao Sr. Knoxville, um homem cuja reputação é digna de ser mencionada apenas em tablóides sensacionalistas e a quem ela acredita que pode salvar por meio de afeto. Diggory, pérfido por fim, fará de tudo para separá-los. E vai ter sucesso, mesmo que apenas por pouco tempo.


Capítulo Um

Inglaterra, 1819. Lambshire County.
O inverno esticava com elegante languidez seus gelados braços sobre o campo, surpreendendo e entorpecendo a vida aletargada de seus moradores sob a translúcida túnica de pesados nevoeiros matinais. Após as recentes nevadas, que, sem dúvida, haviam sido as mais abundantes dos últimos anos, o sol havia voltado a aparecer timidamente em um céu saturado de nuvens, e o influxo de seus fracos raios facilitava que o denso manto esbranquiçado fosse desaparecendo pouco a pouco, para dar lugar a um verde revigorado e cheio de vida. 
As aves de novo se aventuravam a sair de seus abrigos improvisados para entoar felizes canções nos ramos desnudos das árvores, trazendo um pouco de vida àquela linda paisagem, ainda dormente sob o torpor de um frio inverno. Os rebanhos dispersos voltavam a decorar os campos com inúmeras manchas esbranquiçadas e roucos balidos arrulhadores, apesar de que um grosso véu acinzentado embaçava a vívida imagem com o incessante lacrimejamento da abóbada celeste.
Barton Cottage também permanecia atolado na placidez habitual da existência de seus habitantes, alterada apenas ocasionalmente pelos nervos agitados da Sra Barton e suas idéias absurdas.
Fazia seis anos que Rachel Barton, a filha mais velha, tinha deixado a antiga casa paroquial para formar seu próprio lar em Hardshire, um lugar situado mais de cem milhas do pequeno e arborizado condado. 
Quando a Sra Barton conseguiu superar o orgulho insuportável de saber sua filha mais velha esplendidamente casada com um dos homens mais influentes do reino e começaram a aparecer em sua mente os primeiros sintomas que acompanham a saudade e tédio, a pequena Caroline tinha já dezoito anos. Alegremente descobriu a senhora o quanto era agradável ter uma filha com idade suficiente para ser cortejada e, desta vez, com influências proveitosas que garantem um bom casamento.
Certamente, Caroline Barton havia se tornado uma jovem bela e de belo comportamento. Preservava da infância a abundante cascata de cachos louros sobre a cabeça cheia e sensata e a temperança de enormes olhos azuis frisados em um rosto extremamente pálido. 
Caroline não era como sua irmã. Nunca tinha sido. Por suas veias não corria o sangue fervente de cabeças sonhadoras e fantasiosas, mas seu caráter professava uma inclinação mais suave para a música e a pintura.
Excessivamente introvertida e com uma predisposição para a melancolia, a senhorita Barton tinha erguido um pequeno muro ao seu redor, atrás do qual se refugiava, de forma que mantinha intactas em sua mente as belas e agradáveis memórias do passado e alimentava com elas uma nostalgia crescente. 
Certamente que tinha sido duro crescer longe da influência de sua sempre otimista e enérgica irmã mais velha, sua melhor amiga e confidente, e perder os momentos íntimos de cumplicidade criados entre elas. Também tinha sido uma pequena amargura dizer adeus a George, seu único irmão, que, poucos meses após o casamento de Rachel, tinha assumido seu novo trabalho como pastor em um condado próximo.
Sozinha, entre aquelas paredes velhas e desalinhadas, com a única companhia de seus pais idosos e sobrevivendo dia a dia ao estupor decorrente da vida cotidiana, Caroline tentava escapar do mundo sentada ao velho pianoforte, tocando os acordes mais tristes.
No entanto, ninguém parecia notar o ostracismo em que havia submergido, pois seu caráter gentil e sempre moderado poderia levar a confusão caso se associasse erroneamente sua crescente melancolia com timidez.
Longos momentos sentada diante da janela com a vista perdida na distância enquanto esboçava com carvão fino os traços de uma paisagem inspiradora ocupava muitas vezes suas tardes, enquanto na sala de chá ao lado a velha senhora Barton imaginava com as vizinhas novos caminhos por que orientar sua delicada e distraída filha.
― Rachel era uma criatura imprudente e pouco dada a civilidade e, apesar disso, fez um casamento vantajoso. Sem dúvida a minha pequena Caroline vai se casar tão bem ou até melhor do que a irmã. Ela sempre foi uma menina muito brilhante e inteligente e de natureza mais dócil e tranquila do que a da irmã.
― Nenhuma dúvida sobre isso, Sra Barton, a pequena Caroline é uma criatura mais disciplinada e dócil do que sua irmã mais velha.
― E além disso, mais bonita. Você já reparou na palidez romântica do seu rosto?
Caroline sacudiu a cabeça com resignação quando chegou a seus ouvidos o vago rumor das ocorrências de sua mãe junto com o riso das comadres.
Nunca tinha pensado em se casar, nunca tinha sentido a necessidade de embarcar em uma viagem romântica que, sem dúvida, traria mudanças grandes e desagradáveis em sua vida tranquila. Sempre pensou que as histórias que Rachel lia para ela, sobre cavaleiros capazes de atravessar o mundo em busca de sua senhora, eram por demais erradas e imprudentes e que definhar por amor na época em que vivia era pouco menos do que uma absurda utopia.



6 de janeiro de 2019

Quando o coração decide

Fanny Clark vive junto com sua família na tranquilidade rural do condado de Sheepfold.

Ali compartilha a casa com seu pai, dois irmãos e a mamãe, cuja única coisa que lhe traz maior felicidade do que as intrigas, são as conspirações para casar sua filha com alguém endinheirado. De qualquer modo, o que Fanny mais gosta é dos livros, os romances que representam mulheres decididas e amores imensos. A calma em sua vida será interrompida quando viajar a Londres para acompanhar Charlotte, sua melhor amiga, que vai ser apresentada em sociedade. Ali, Fanny conhecerá as absurdas convenções, a desnecessária ostentação e os aborrecidos bailes nos quais esbarrará com o sombrio Oliver Hawthorne, a quem ela designará de asno. A febre de sua irmã mais nova, a obriga a retornar a Sheepfold e a chegada do misterioso Jarrod Rygaard, um americano amigo de seu irmão, em sua casa, completam, para Fanny, a trama de sua própria novela: disputada por dois homens, disputada pela vida no campo ou na cidade, ela deverá escolher o que fazer para ter o que deseja.
Todo o corpo de Fanny arrepiou-se quando se deu conta, de que Oliver Hawthorne seria o melhor herói romântico, bonito e sensual, que jamais encontraria em alguma de suas novelas. E, por fim aquele herói estava ali, com ela, no melhor marco cênico que qualquer sofrida moça romântica poderia desejar. Como pudera estar tão cega até então?

Capítulo Um

Do interior da velha e desmantelada reitoria afloravam os ecos da irritante voz da senhora Clark que, por algum motivo, parecia exaltada ou desgostosa ou, provavelmente, ambas as coisas de uma vez.
Fanny suspirou paciente, e desenhou no semblante um sorriso carregado de condescendência antes de transpassar a soleira da porta e seguir o rastro que sua mamãe anciã costumava deixar atrás de si, como sinal inequívoco de sua presença.
Desatou com destreza a laçada do chapéu com uma só mão, e o pendurou de um lado. A seguir, passou a fazer parte daquela cena cotidiana, com todo o aprumo e a distância que a atitude de sua mãe permitia.
O senhor Clark permanecia sentado como de costume, na velha e maltratada poltrona sem braços, preenchendo o cachimbo com tranquilidade e fazendo caso omisso ao monólogo de sua esposa. 
Ela, de pé em frente a lareira, esmurrava com um ferro as lenhas empilhadas atrás do salva faíscas, com a mesma frieza e idêntico frenesi que empregaria para degolar frangos no matadouro.
Com o rosto, completamente vermelho por causa da excitação, a impetuosa senhora pretendia desviar a atenção de seu marido para um assunto que a ele parecia não importar, absolutamente. E semelhante abandono, por parte do cavalheiro, não podia menos que irritá-la sobremaneira.
Ao precaver-se da chegada de Fanny, o ancião elevou os cansados olhos por cima dos diminutos óculos de arame que descansavam na ponta do nariz, para fixar o olhar na jovem e obsequiar-lhe com um silencioso sorriso de comiseração. Ou, possivelmente, se tratasse de um sorriso manso e servil, que pretendia informar-lhe das sombras negras que sua mãe lançara sobre a sala durante toda a tarde, e do aspecto que ele mesmo tivera que mostrar para suportá-la e evitar ordenar a um servente que lhe costurasse a boca.
Seu irmão mais velho, Ian, permanecia sentado junto às janelas refugiado, depois do amparo que lhe proporcionara um grande gole de John Donne. 
Uma opção da mais acertada, a julgar pelo grau de excitação da senhora da casa. Entretanto, deu-se conta da chegada de sua irmã, e sua sobrancelha direita, arqueada a modo de silenciosa boas vindas, pretendeu dissuadi-la de permanecer na estadia durante muito mais de meio minuto.
— Oh!, Fanny, Fanny querida! — A senhora Clark desistiu da luta contra as lenhas e, ante a acentuada indiferença dos varões Clark, concentrou-se em chamar a atenção de sua filha. De fato, nesse momento, a aparição da moça na pequena salinha de chá, resultava para ela uma coincidência da mais afortunada. — Consegue imaginar de que maravilhosa notícia, acabo de inteirar-me?
Fanny nem sequer se incomodou em olhá-la quando enrolou-se aos pés do pai. Conhecia de sobra as excentricidades da senhora Clark, para preocupar-se sequer, em prestar atenção.
 Além disso, desde muito tenra idade, optara por imitar seu progenitor e seu irmão mais velho, e mostrar para com os exagerados arranques de entusiasmo da senhora, a mais absoluta e esmagadora, indiferença. Essa fora, sempre, a técnica de sobrevivência mais eficaz e indispensável para evitar perder de todo o juízo.
— Como poderia estar a par, mamãe? Acabo de voltar, após dar um passeio pelo campo.
A senhora Clark franziu o cenho, como se de repente a moça acabasse de colocá-la em dia de um pecado inconfessável, que a excitação do momento a obrigara a passar por cima.
— Ah sim, você e seus insofríveis passeios!



 


17 de março de 2018

O Coração de uma Condessa

É o ano de 1850 e a pequena Ana acaba de perder sua mãe, ficando aos cuidados de seu pai, que não tem problemas em enviar sua filha, de cinco anos a um rigoroso internato para senhoritas. 

Treze anos depois, Ana Emília Victoria Federica de Altamira e Covas retorna ao Pazo. Converteu-se em uma linda jovem capaz de deslumbrar qualquer homem, mas sua sorte está decidida… Seu pai chegou a um acordo matrimonial com dom Jenaro Monterrey, um empresário de 70 anos com quem quer casá-la. Alberto partiu para longe da Galícia fugindo de dolorosas recordações e das duras exigências de seu pai, para que seguisse com o negócio familiar, mas Alberto ansiava outro destino, queria estudar uma profissão e ser um homem instruído. 
Quando parece encontrar seu lugar, exercendo sua profissão em um escritório, se vê obrigado a regressar ao Pazo… Uma manhã na qual dom Jenaro se apresenta de surpresa, Ana foge para o bosque e cai. Um jovem a ajuda. Primeiro escuta sua voz, depois aparece entre os arbustos… Ainda que apenas um encontro seja suficiente para que ambos entendam que se pertencem, seu amor é impossível. 
O destino de Ana já está marcado… ou talvez pudesse mudar sua sorte? 

Capítulo Um 

Villa e Corte de Madrid, treze anos depois.
Ana Emília Victoria Federica de Altamira e Covas se sentou muito ereta no assento forrado em couro negro, da carruagem que seu pai enviara expressamente para buscá-la e levá-la de volta a sua Galícia natal. 

Um ligeiro movimento no assento da frente provocou o desvio do seu olhar, da mancha cinza que as ruas madrilenas formavam, disseminando-se agora a certa velocidade do outro lado da janelinha, para fixá-lo no enorme volume coberto de gazes e organdi que constituía sua acompanhante. 
Dona Angustias, sua ama de criação, idosa, tinha ido buscá-la na capital, apesar da tremenda tortura que uma viagem de tantas horas provocava em uma mulher de sua idade e envergadura. 
Àquela altura, lutava para encaixar suas generosas carnes, e suas volumosas capas de roupa, no reduzido espaço. Ana virou o rosto para observá-la com uma ternura infinita, o único modo no qual se sentia capaz de olhar a aquela boa e amorosa mulher, e um sorriso cheio de alegria e afeto ampliou levemente seu semblante.
Aquela anciã de rosto corado e gorducho, cujas bochechas flácidas caiam em ambos os lados do rosto, como bolsas sobrecarregadas tinha sido uma segunda mãe para ela ainda que, devido a sua idade, seu rol se aproximava mais ao de uma avó afetuosa e protetora.
Uma avó a qual amava acima de todas as coisas e que, estava certa, a amava também do mesmo modo. Sua muito querida nana. Era muito consciente de que a pobre ama, tentava com todas suas forças suprir o vazio que sua senhora deixara no coração da menina treze anos atrás, e o fizera tão bem que Ana mal sofreu sua ausência, somente o justo e necessário.