Conseguirá Lady Galatea não deixar-se enredar pelo charme do ladrão de estradas Sir Just Trevena?
Capítulo Um
1806
O calor proveniente das velas dos imensos candelabros era insuportável, e a agitação dos dançarinos, combinada com a forte fragrância das flores, proporcionava uma sensação de asfixia.
Duas pessoas abandonaram o burburinho do salão e encaminharam-se lentamente em direção aos amplos corredores da mansão pertencente a lorde Marshall, amigo íntimo do príncipe de Gales.
— Para onde está me levando, D’Arcy? — perguntou a dama ao deixarem para trás os acordes da música, que foram substituídos pelo tique-taque ritmado do salto dos sapatos no assoalho polido.
— Para um lugar sossegado — retrucou o cavalheiro. — Há gente demais lá dentro, e o barulho é ensurdecedor. Quero falar com você a sós.
A dama riu e, apesar de a risada ser cristalina, não parecia alegre.
— Não me venha de novo com essas conversinhas ao pé do ouvido. Eu não agüento mais!
O cavalheiro não respondeu, limitando-se a abrir uma das portas do corredor que dava acesso a uma sala de estar vazia, apenas iluminada por dois castiçais de prata pousados simetricamente sobre o tampo de uma escrivaninha.
A dama olhou ao redor.
— Que linda sala! Nunca estive aqui antes.
— É o santuário de Marshall, onde ninguém entra. A não ser os amigos mais chegados.
— E você se considera um deles?
— Ele é muito maçante, mas eu o conheço de longa data.
A sala era fresca. As cortinas repuxadas para os lados permitiam a entrada da brisa noturna, mas não era o suficiente. A dama começou a se abanar com um precioso leque pintado à mão.
— Como você está encantadora, Galatea! Nunca a vi tão bela como nesta noite!
A dama não fez caso do elogio e apenas esboçou um sorriso.
Mas não havia dúvida de que Galatea era uma mulher maravilhosa. O cabelo negro, penteado de acordo com a última moda de Paris, emoldurava um rosto perfeito e simétrico. Mas o que mais chamava a atenção naquele rosto eram os olhos; dois olhos enormes, verde-escuros, mas que tinham um brilho dourado, parecendo dois raios de sol, de acordo com a opinião geral de seus inúmeros admiradores.
— E então, D’Arcy?
A pergunta casual teve o poder de enfurecer seu parceiro.
— Maldição! — ele exclamou. — Você sabe muito bem o que estou querendo dizer!
— E você sabe muito bem a resposta! Por que fica sempre repetindo a mesma ladainha inútil?
— É assim que você me trata? — revidou ele, soltando chispas de ódio pelos olhos.
Vestido na última moda, ele também era um homem bonito e atraente. Poucas pessoas do salão de baile, ao ver o casal dançando, deixariam de pensar que o conde de Sheringham e lady Roysdon formavam um par perfeito, não somente quanto à aparência, mas também quanto à reputação. Só que lady Roysdon não mostrava em seu belo rosto nenhum sinal que denunciasse a vida desregrada que andava levando, enquanto que os anos de deboche vividos pelo conde já lhe tinham deixado marcas indeléveis. As bolsas sob os olhos eram prova de dissipação, e a palidez esverdeada do rosto devia-se a uma longa seqüência de noites maldormidas e ao excesso de álcool.
A raiva impeliu o conde de Sheringham a andar inquieto pela sala, com os polegares enfiados na lapela da bem talhada casaca de cetim.
— Não podemos continuar assim! — explodiu ele.
— E por que não?
— Porque eu a quero, porque você vive me recusando, porque não suporto mais viver longe de seus braços!
— Essa é uma decisão que deveria ser minha — disse ela, começando a entendiar-se com aquela conversa.
Ao perceber sua reação, o conde sentou-se junto dela no sofá, dando vazão a uma série de lamúrias. — Não agüento mais, Galatea! Hoje à noite, quando a vi ao lado do príncipe, rindo de mim, cheguei ao auge do desespero!