Silvia e John cresceram rodeados pela miséria e pela pobreza em uma favela miserável em Londres.
No meio de tantas dificuldades, entre ambos, surgirá um amor puro e nobre, que lhes dará asas para tentar sair da penúria que os rodeia.
Mas, então, o pai da moça, a vende para um nobre que a deseja. John, amargurado e triste pelo desaparecimento de Silvia, vai se tornar um homem duro e implacável, que consegue fazer fortuna com a prostituição e jogos de azar. Anos mais tarde, reencontram-se novamente, mas...Poderá o amor que uma vez os uniu, superar os obstáculos, que agora se interpõem entre eles?
Capítulo Um
Silvia sentiu que emergia dos braços doces de um sonho bom, quando começou a notar o desconforto e a dor. O frio e a fome, somados aos dedos rudes de seu pai, que se cravavam em sua pele macia, fizeram-na compreender que um novo dia começava. Lentamente, abriu os olhos e espreguiçou-se devagar, resistindo à ideia de levantar do colchão que compartilhava com sua família.
— Acorde já! — Seu pai não deixava de cutucá-la. — Cada dia tornase mais preguiçosa!
Silvia levantou-se, e observou que, com exceção de Henry, seu irmão mais novo, todos já estavam de pé. Sua mãe esquentava algo no fogão, e seus irmãos mais velhos, Joseph e Charlie, apressavam-na de maneira brusca e sem consideração.
Olhou-os com desagrado, e teve o prazer de comprovar como Charlie baixava o olhar, envergonhado. No entanto, não podia culpá-los, seu pai costumava insultar e bater em sua esposa pelos motivos mais absurdos, e seus irmãos haviam aprendido rapidamente a não tentar defendê-la, já que assim, os insultos e os golpes se voltavam contra eles, o que aumentava o sofrimento da mulher. Silvia aproximou-se da figura pálida que, imune às recriminações de seus filhos mais velhos, mexia, na panela, o que parecia ser um mingau, e depositou um beijo suave em sua bochecha. Os olhos tristes e cansados da mulher desviaram-se para sua filha, e por um instante, uma faísca de alegria brilhou através deles.
— Posso ajudá-la, mamãe? — Não, querida, já estou quase terminando. A voz de seu pai, rouca pela bebida, interrompeu as mulheres.
— Querem calar a boca? Nunca vi duas mulheres mais inúteis que vocês! Com um olhar de alívio pateticamente evidente, a mãe de Silvia tirou a panela do fogo. Todos se sentaram ao redor da única mesa que havia no casebre de tábuas em que viviam, nos arredores de St. Katharine Docks, em East End. Enquanto todos comiam da própria panela, Silvia observava... Sua mãe tinha o cabelo emaranhado e grisalho, preso em um coque.
Devia ter sido bonita em outros tempos, seus olhos eram verdes, que ela havia herdado, e a fineza de seus traços, atestava esse fato. Mas agora, rugas profundas de tristeza e preocupação, sulcavam suas bochechas e a testa, seu olho esquerdo permanecia meio fechado, consequência de um soco desferido por seu pai. Suas mãos tremiam ligeiramente, como sempre, desde que Silvia podia recordar, e mantinha os olhos baixos, tentando passar despercebida.
Ela ainda lembrava, que até alguns anos atrás, sua mãe costumava se sentar junto a ela, para contar histórias estranhas e maravilhosas, de um livro que chamava de “O Livro Sagrado”. Eram histórias sobre meninos que matavam gigantes com uma funda, de um filho que havia abandonado sua casa, e era recebido de braços abertos, ou de um jovem que havia sobrevivido durante quarenta dias dentro de uma baleia.
Também tirava seus piolhos, e desembaraçava seu cabelo louro com os dedos, cantava e tentava fazê-la esquecer da vida miserável que tinham.
Mas, com o passar dos anos, ela tornou-se cada vez mais taciturna e silenciosa, e, além disso, Silvia suspeitava que, a morte recente de seus dois irmãozinhos, Sally e Ned, quando ainda eram bebês, havia sido um golpe muito duro, para que ela pudesse suportar.
Seu pai, por sua vez, nem sequer notou a falta das crianças, seu único comentário fora, que a partir disso, teriam duas bocas à menos para alimentar.