Ela não se renderia… A governanta Serena Barton tinha sido despedida de seu posto três meses atrás.
Como não podia encontrar outro emprego, optou por exigir compensação ao homem culpado de sua demissão, um duque mesquinho, egoísta e canalha. Mas não era ao duque ao que temia, a não ser a sua mão direita, o homem conhecido como o Lobo de Clermont.
O temível ex-pugilista havia conseguido má fama resolvendo os assuntos sujos do duque e, embora Serena soubesse que não poderia nada contra ele, tinha que tentá-lo, pois estava em jogo todo seu futuro.
Ele não podia ceder… Hugo Marshall era ambicioso e desumano, característica que lhe tinham servido para subir de filho de um mineiro de carvão a mão direita de um duque.
O dia que seu chefe lhe ordenou que se livrasse da irritante governanta por bem ou por mal, para ele era só um dia mais de trabalho.
Infelizmente, não conseguiu convencer Serena por bem e, à medida que foi conhecendo-a, descobriu que não era capaz de fazê-lo por mal. Mas só poderia satisfazer suas ambições se ela se fosse. Tinha que escolher entre a vida que procurava e a mulher a que tinha começado a amar.
Capítulo Um
Londres, outubro de 1835
Acima a porta da Biblioteca se fechou com tal fúria que sacudiu até o marco. Uns passos ruidosos cruzaram a estadia e se aproximaram do escritório de Hugo. E punhos fortes golpearam a superfície de madeira. —Maldita seja, Marshall! Tem que arrumar isso.
Apesar do dramatismo dessas palavras, Hugo Marshall não levantou a vista de seus livros, mas sim esperou em silêncio, escutando o ruído das botas sobre o tapete. Não era um criado e se recusava ser tratado como tal. Sua paciência se viu recompensada um momento depois.
—Arruma-o, por favor — murmurou o duque de Clermont. Hugo elevou a cabeça. Um observador não treinado fixaria sua atenção no duque de Clermont, aparentemente no comando, resplandecente com um colete tão bordado em ouro que quase fazia mal à vista.
Esse observador desdenharia ao apagado senhor Marshall, embelezado como ia com uma indumentária cujo leque de cores oscilava do marrom ao marrom mais escuro. A comparação não se deteria no vestuário. O duque era respeitavelmente volumoso sem chegar a ser gordo; tinha rasgos patrícios afiados e aristocráticos e uns olhos azuis vivazes aos que parecia que não lhes escapava nada.
Um observador não treinado, que comparasse isso com a expressão anódina e o cabelo cor arenosa de Hugo, chegaria à conclusão de que o duque estava no comando. Esse observador não treinado seria, na opinião de Hugo, um idiota. Hugo deixou a pluma em seu lugar.
—Não era consciente de que teria que arrumar nada — além do assunto de Sua Excelência a duquesa—. Quer dizer, nada que entre dentro de minhas atribuições. Clermont se encrespou visivelmente, com uma energia nervosa. Esfregou-se o nariz de um modo que tinha muito pouco de educado.
—Há algo mais. Surgiu esta manhã — olhou pela janela com o cenho franzido. A biblioteca da mansão de Clermont em Londres estava situada no segundo piso e não tinha uma vista chamativa. Pela janela se via somente a praça de Mayfair.
O outono havia tornado marrons e amarelas as folhas verdes das árvores. Umas partes de ervas secas e uns quantos matagais opacos rodeavam um único banco de ferro forjado, no que se sentava uma mulher.
Tinha o rosto oculto por um chapéu de asa larga decorada com uma fina fita rosa. Clermont apertou os punhos. Hugo quase pôde lhe ouvir chiar os dentes. Mas a voz do duque soou indiferente.
—Se me negar a ceder às ridículas exigências da duquesa, te ocupará de arrumá-lo tudo, não é assim? — perguntou. Hugo o olhou com severidade.
—Nem o sonhe, Excelência. Sabe o que há em jogo. O duque cruzou os braços com ar de desafio. Verdadeiramente, não compreendia a situação; aí estava o problema.
Era um duque e os duques não sabiam o que era economizar. Se não fosse por Hugo, as grandes propriedades de Clermont teriam se arruinado anos atrás sob o peso das dívidas.
Em qualquer caso, seguiam flutuando pelos cabelos… e isso só graças ao recente matrimônio do duque.
—Mas é tão pouco agradável!