Álvar Villar da Honrubia, cavalheiro templário, recebeu a missão de proteger o castelo da Salvatierra, um enclave cristão em terras muçulmanas, e de defendê-lo do assédio almohade.
No castelo se guardam, também, tesouros da Ordem. No castelo, encontrará Jimena de Castro, a quem conheceu quando ambos eram meninos, que viu sofrer pela injusta morte de sua mãe nas mãos da justiça templária, a quem se sente ligado de uma maneira inexplicável que o fará cambalear em suas crenças, em sua condição de monge, em suas eleições como homem. Não só era um homem interessante e arrumado, além disso, era servo de Cristo. E roubar a Deus um de seus mais fiéis servidores era um justo pagamento, a seu julgamento. Ele, o Criador onipotente e misericordioso, levou sua mãe submetida a torturas e sofrimentos. Ela seria mais compassiva: torturaria a alma do homem, mas, em troca, submeteria seu corpo ao prazer da carne até enlouquecê-lo. Completa o quebra-cabeça da novela o mistério de uma sucessão de assassinatos no castelo, as práticas alquímicas, as crenças gnósticas, a busca de um segredo que poderia trocar o curso da cristandade.
Capítulo Um
Vila da Calatrava, ano domini 1195.
Tremeu. Envolveu-se no fedorento cobertor de sarja e trocou de posição naquele estreito colchão de palha. De novo, aquele som dilacerador quebrou a noite. Era como um lamento que o vento estirava até convertê-lo em um assobio arrepiante.
Às vezes, Jimena escutava no meio da noite a campainha que anunciava matins1 e um momento depois, o preguiçoso deslizar de dezenas de sandálias que percorriam os labirintos de corredores até a sala de oração. Até podia imaginar os monges do convento em atitude de oração. Permanecia acordada para escutar o apagado murmúrio das.. Mas aquele som era diferente. Não era, tampouco, o ganido de um lobo. Aos dez anos, já se vangloriava de ter visto de perto uma grande alcateia. Recordou, entre calafrios, como aquele verão se perdeu no bosque que limitava o convento.
Como tinha subido numa árvore e tinha passado a noite enquanto uma alcateia faminta a olhava com desejo e ferocidade. Nunca esqueceria a diversidade de ruídos que produziam aqueles animais. E, sem dúvida, aquele som não se encontrava entre eles.
De novo aquele lamento, uma espécie de apagado grito agônico que arrepiou a sua pele e a levantou com brutalidade da cama. Correu ao leito de sua mãe. Precisava abrigar-se entre seus braços, que acariciasse as suas costas como estava acostumada a fazer quando algum pesadelo a assaltava e que cantasse ao seu ouvido sua canção de ninar favorita. Mas o leito estava vazio. Desconcertada, olhou para a porta e se dirigiu vacilante para ela. Separou num sopro um de seus rebeldes cachos negros e agarrou a fechadura. Enquanto a girava, veio à sua mente a severa advertência materna.— Nunca me ouviu, Jimena? Jamais saia do quarto sem a minha permissão. Se acordar no meio da noite e eu não estiver aqui, me espere. Mas nunca abra a porta.
E nunca o tinha feito, apesar de que, no meio da noite, leves batidas costumavam soar na porta e apesar de sua mãe que saltava da cama para escapulir. Em uma dessas ocasiões se aproximou da porta e colocou a orelha: escutou como sua mãe se queixava em sussurros e como a voz de um homem respondia. Também escutou uns estranhos golpes, seguidos de uns bufos e suspiros que a deixavam a ponto de abri-la. Mas não o fez.
No entanto, naquele momento, conduzida por uma força desconhecida, ela abriu e olhou nervosamente para fora. Escuridão apenas quebrada por círculos laranja piscando de várias tochas moribundas e distantes. E agora, o que? Ela pensou incômoda e assustada.
O lamento, cada vez mais próximo, chamou-a a seguir o tétrico passadiço para a esquerda. Sentia a gelidez da pedra sob as solas nuas dos pés como minúsculas adagas que aceleravam os seus passos. Deteve-se em uma curva e observou tremendo antes de se aventurar ao novo corredor. Sentia o peso de sua larga e alvoroçada juba sobre as costas, que a brindava com algum resguardo do frio que parecia envolvê-la e oprimi-la. Um passo, outro mais e de repente, o lamento se permutou em um uivo amortecido, mas igualmente horripilante. Deteve-se e fechou os olhos. Sentiu vontade de chorar.