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21 de setembro de 2021

Para além do Templo

Álvar Villar da Honrubia, cavalheiro templário, recebeu a missão de proteger o castelo da Salvatierra, um enclave cristão em terras muçulmanas, e de defendê-lo do assédio almohade.

No castelo se guardam, também, tesouros da Ordem. No castelo, encontrará Jimena de Castro, a quem conheceu quando ambos eram meninos, que viu sofrer pela injusta morte de sua mãe nas mãos da justiça templária, a quem se sente ligado de uma maneira inexplicável que o fará cambalear em suas crenças, em sua condição de monge, em suas eleições como homem. Não só era um homem interessante e arrumado, além disso, era servo de Cristo. E roubar a Deus um de seus mais fiéis servidores era um justo pagamento, a seu julgamento. Ele, o Criador onipotente e misericordioso, levou sua mãe submetida a torturas e sofrimentos. Ela seria mais compassiva: torturaria a alma do homem, mas, em troca, submeteria seu corpo ao prazer da carne até enlouquecê-lo. Completa o quebra-cabeça da novela o mistério de uma sucessão de assassinatos no castelo, as práticas alquímicas, as crenças gnósticas, a busca de um segredo que poderia trocar o curso da cristandade.

 Capítulo Um

Vila da Calatrava, ano domini 1195.
Tremeu. Envolveu-se no fedorento cobertor de sarja e trocou de posição naquele estreito colchão de palha. De novo, aquele som dilacerador quebrou a noite. Era como um lamento que o vento estirava até convertê-lo em um assobio arrepiante.
Às vezes, Jimena escutava no meio da noite a campainha que anunciava matins1 e um momento depois, o preguiçoso deslizar de dezenas de sandálias que percorriam os labirintos de corredores até a sala de oração. Até podia imaginar os monges do convento em atitude de oração. Permanecia acordada para escutar o apagado murmúrio das.. Mas aquele som era diferente. Não era, tampouco, o ganido de um lobo. Aos dez anos, já se vangloriava de ter visto de perto uma grande alcateia. Recordou, entre calafrios, como aquele verão se perdeu no bosque que limitava o convento.
Como tinha subido numa árvore e tinha passado a noite enquanto uma alcateia faminta a olhava com desejo e ferocidade. Nunca esqueceria a diversidade de ruídos que produziam aqueles animais. E, sem dúvida, aquele som não se encontrava entre eles.
De novo aquele lamento, uma espécie de apagado grito agônico que arrepiou a sua pele e a levantou com brutalidade da cama. Correu ao leito de sua mãe. Precisava abrigar-se entre seus braços, que acariciasse as suas costas como estava acostumada a fazer quando algum pesadelo a assaltava e que cantasse ao seu ouvido sua canção de ninar favorita. Mas o leito estava vazio. Desconcertada, olhou para a porta e se dirigiu vacilante para ela. Separou num sopro um de seus rebeldes cachos negros e agarrou a fechadura. Enquanto a girava, veio à sua mente a severa advertência materna.— Nunca me ouviu, Jimena? Jamais saia do quarto sem a minha permissão. Se acordar no meio da noite e eu não estiver aqui, me espere. Mas nunca abra a porta.
E nunca o tinha feito, apesar de que, no meio da noite, leves batidas costumavam soar na porta e apesar de sua mãe que saltava da cama para escapulir. Em uma dessas ocasiões se aproximou da porta e colocou a orelha: escutou como sua mãe se queixava em sussurros e como a voz de um homem respondia. Também escutou uns estranhos golpes, seguidos de uns bufos e suspiros que a deixavam a ponto de abri-la. Mas não o fez.
No entanto, naquele momento, conduzida por uma força desconhecida, ela abriu e olhou nervosamente para fora. Escuridão apenas quebrada por círculos laranja piscando de várias tochas moribundas e distantes. E agora, o que? Ela pensou incômoda e assustada.
O lamento, cada vez mais próximo, chamou-a a seguir o tétrico passadiço para a esquerda. Sentia a gelidez da pedra sob as solas nuas dos pés como minúsculas adagas que aceleravam os seus passos. Deteve-se em uma curva e observou tremendo antes de se aventurar ao novo corredor. Sentia o peso de sua larga e alvoroçada juba sobre as costas, que a brindava com algum resguardo do frio que parecia envolvê-la e oprimi-la. Um passo, outro mais e de repente, o lamento se permutou em um uivo amortecido, mas igualmente horripilante. Deteve-se e fechou os olhos. Sentiu vontade de chorar.

 


24 de abril de 2019

Bruma Azul

Lean Maclean é um homem torturado por um escuro e cru passado. Com apenas doze anos e meio abandonou a Escócia para fugir do sadismo de sua madrasta.

Corre o ano 1647 e na Escócia estoura uma violenta guerra civil. Lean é reclamado para que os ajude a defender-se dos poderosos Campbell. E, apesar de sentir-se um renegado, aceita retornar às terras que tanto odeia por um único motivo: vingar-se de todas as atrocidades que sofreu de menino. Lean não só terá que percorrer um país esmigalhado pela guerra em busca de vingança, também terá que liberar sua própria batalha interior, entre a lealdade e o desprezo que sente por suas origens. Entretanto, o destino o envolverá em um singular triângulo amoroso, entre duas mulheres opostas, entre o amor e o ódio, entre a razão e a paixão, rachando a dura pedra em que tinha escondido seu aflito coração.

Capítulo Um

Despedidas, Porto de Sevilha, ano de Nosso Senhor de 1647.
O denso aroma de salitre alagou minhas fossas nasais, impregnando-as de incerteza pelo futuro que me aguardava do outro lado do oceano.
Suspirei fundo com pesar, pois aquele intenso e conhecido aroma era tão cotidiano para mim como o da flor-de-laranja que flutuava perfumando o subúrbio da Triana, Santa María a Branca e o Areal, o bairro portuário à beira do caudaloso e rebelde Guadalquivir, onde tinha vivido quatorze anos de minha existência.
Um robusto barco de sessenta canhões, imponente casco, mastros fortes e manipulação intricada me aguardava atracado para devolver-me a aquele que uma vez foi meu mundo e me viu nascer, mas sobretudo sofrer.
— Moço, apesar de te considerar um grande marinheiro, está tão pálido como as recolhidas velas de seu barco.
Sorri apenas, entreabri levemente os olhos esquivando dos raios oblíquos de um sol nascente que lambia o horizonte brunindo-o com sua majestade e assenti com a cabeça.
—Sim, mestre Beltrán — admiti—. Pois, embora o mar sempre me outorgasse paz, o destino ao que me deixo arrastar me arrebata isso.
—Poderia te conceder outro destino mais adulador, seria fácil para eu solicitar para ti uma travessia às Índias Ocidentais, tenho grandes amigos na Casa de Contratação, bem sabe. — Posou uma mão em meu ombro e estalou a língua ofuscada, derramando sobre mim um cálido olhar paternal. — Não concordo com esta viagem, Assem, como tampouco meus amigos conseguem entender por que retorna ao inferno por própria vontade.
—Tampouco eu, meu bom Beltrán. Entretanto, sinto ferver com agudo desgosto meu condenado sangue gaélico ao chamado de meu tio Lachlan, e você melhor que ninguém conhece minhas contas pendentes naquelas verdes terras.
Beltrán apertou seus magros lábios convertendo-os em uma fina linha esbranquiçada e formando uma careta reprovadora, ao tempo que negava melancólico com a cabeça.
— A vingança, moço, é uma arma de afiado punho. Sanou em corpo e alma, e forjou um futuro nesta formosa Sevilha que te tirou das garras da escuridão que morava em ti. Posso te assegurar, valoroso Assem, que temo tanto por ti como o faria por um filho de ter sido bento com algum.
—Ambos sabemos que minha alma nunca pôde curar-se completamente, — argumentei pensativo — e que meu destino não é outro que ajustar contas e confrontar o negrume que nunca pude dissipar de meu coração.
O mestre assentiu depois de um pigarro emotivo, hasteando um morno sorriso tremente que esquentou meu peito.
— Foi meu salvador, — eu disse — o pai que me negou, meu guia e meu professor, jamais lhes esquecerei, devo-lhe tudo o que sou.
— Entretanto, fica a insipidez de não ter podido fazer mais.
Neguei veemente com a cabeça e o estreitei entre meus braços e, apesar de ser um homem corpulento e de boa altura, pareceu perder-se em meu peito. Sorri, aguardando a graça de rigor.
— Por Deus, moço, faz-me parecer um pardal aleijado em seus braços!