A única coisa que Grace Gauthier sempre quis foi a segurança de um bom matrimônio, uma família e um lar.
Em lugar disso, desprezada pela aristocrática família de seu pai por causa da origem estrangeira de sua mãe, aceitou um emprego seguro como governanta.
Agora, desprotegida e sozinha em Londres, acusada do escandaloso assassinato de seu empregador, não tem ninguém a quem recorrer exceto o misterioso, e possivelmente perigoso, lorde Ruthveyn. Um demônio de olhos negros, Ruthveyn guarda seus segredos com muito zelo. Seu turvo passado é uma fonte de sofrimento e rumores… só sussurrados. A precária situação de Grace, que lhe recorda a sua, comove — o, assim como sua serena beleza. Ruthveyn está decidido a salvar Grace desmascarando um assassino. Mas sua crescente paixão ameaça seu coração e ameaça trazer à luz seus obscuros dotes ante o mundo.
Capítulo Um
Somente os bons morrem jovens
Londres, 1848.
Sangue, sangue por toda parte.
Surda aos sussurros e aos passos apressados que foram e vinham pelo corredor, Grace Gauthier levantou suas mãos e as olhou com desapaixonado atordoamento a olhou para elas com um deslumbrante desapontado com a luz cintilante das lâmpadas. Tinha a sensação de que seus dedos e palmas, e até os punhos rasgados de sua túnica, pertenciam a outra pessoa.
Do outro lado do corredor chegavam sussurros cautelosos.
— Está atordoada pela impressão, verdade?
— Sim, e ele morreu assim que caiu no chão.
Grace estremeceu.
Ele sofreu? Tomara que não. Baixou as mãos, fechou os olhos e se recostou contra a parede da sala para deixar de tremer, mas em seguida compreendeu que o tremor lhe vinha de dentro, dos mesmos ossos, e que não seria fácil pará-lo.
Em alguma parte, no piso abaixo, soluçava uma mulher. Ela também deveria estar chorando. Por que não chorava? Por que não conseguia entender tudo aquilo?
— Senhorita Gauthier?
Aquela voz que assassinou seu nome, lhe chegou de muito longe, mas Grace não se alterou. Sentia — se como se estivesse em um túnel, muito, muito longe daquele silencioso caos. Mas não o estava. Estava ali, Ethan tinha morrido e tudo aquilo lhe pareceria de repente espantosamente real. Os longos meses que tinha passado nos campos de batalha do norte da África tinham-lhe ensinado que o atordoamento ante a morte não era mais que um alívio passageiro.
— Senhorita? —repetiu aquela voz.
Uma voz inglesa, mas não cultivada. Tampouco como a do Ethan, entretanto. Desprovida da dureza e o aprumo da voz de um homem que fez a si mesmo.
— Sim? —disse e se obrigou a abrir os olhos.
Uma mão cálida e grosa se deslizou sob seu cotovelo.
— Lamento, mas tem que me acompanhar à biblioteca, senhorita.
Separou-se da parede e avançou com ele pelo corredor como um autômato. Como se chamava? Havia dito a ela quando entrou no escritório de Ethan, aquele homem largo e corado que a segurou firmemente pelo cotovelo. E repetiu quando a tirou do cadáver, com uma voz suave e reconfortante, como se estivesse falando com uma garota.
Ou com uma mulher louca.
Mas seu nome lhe escapou, juntamente com todas as suas esperanças.
A puxou rapidamente para o escritório, onde vários homens de uniforme azul e botões metálicos falavam em voz baixa, e a fez descer pela ampla escada, onde a corrente que entrava pela porta aberta agitou as saias de seu roupão. Os soluços procedentes do interior da casa se converteram em um desumano gemido de aflição.
Ela vacilou, o corrimão da escada era frio como o corpo do Ethan sob sua mão.
— Deveria ir —murmurou— Devo ver Fenella… à senhorita Crane.
Mas o homem a ignorou.
— Só um par de perguntas mais, senhorita —disse sem afrouxar o passo — logo poderemos…
Interrompeu-se ao ver aparecer outro homem. O quarto, pensou Grace. Ou o quadragésimo, possivelmente. Estava tão aturdida que não tinha idéia.
Mas, a diferença dos outros, aquele não levava uniforme. Ia elegantemente vestido, para ir ao teatro. Com a capa negra agitando-se ao redor de seus tornozelos, materializou-se como um espectro entre a névoa de Londres, subiu os degraus e, tirando as finas luvas de pelica, cruzou a porta aberta como se fosse o dono daquela casa e de tudo que havia nela.
O absurdo de tudo ameaçou mergulhar Grace em histeria. Ethan morreu em um poço de sangue, atrás de sua mesa, em sua própria casa. E o resto de Londres continuou assim? As pessoas ainda foram ao teatro?
O recém-chegado caminhou com entusiasmo pela pilha de malas no lobby e se dirigiu para elas. Seus passos ecoaram energicamente no belo piso de mármore.
— Boa noite, vice-comissário.
O homem que escolta Grace permaneceu firme enquanto colocava o chapéu alto debaixo do braço.
O recém-chegado parou a poucos passos de distância deles e rapidamente olhou para Grace.
— Boa noite, Minch. Esta é senhorita Gauthier?
Pronunciou seu nome impecavelmente, Go-tié, como se fora francês de nascimento.
— Sim, senhor —disse Minch—. O capitão informo-lhe?
— Não foi preciso. O próprio Sir George considerou conveniente arrastar-me para fora da ópera.
O homem, o comissário ou o que quer que fosse, inclinou a cabeça para olhar nos olhos dela. — Meus mais sinceros pêsames, senhorita. Entendo que o falecido era seu noivo.
Grace tentou segurar seu olhar, mas estava frio como gelo.
— Oui, eu… nós… tínhamos… —de repente, uma quebra de onda de pena e horror esteve a ponto de afogá-la. — Tinhamos um acordo.
O recém-chegado assumiu o controle da situação.
— O sargento Minch nos acompanhará ao salão, onde podemos falar em privado —disse— Se tiver a bondade de acompanhá-lo…
Era a primeira indicação que lhe davam que não soava como uma ordem marcial. Soava, em realidade, como algo muito mais perigoso que isso. O vice-comissário a agarrou pelo braço e um instante depois Grace se achou sentada na poltrona favorita da Fenella, junto à chaminé, com uma taça de conhaque na mão.
— Beba-lhe senhorita.
Passado um tempo, levantou o olhar e viu que estava a sós com aquele homem moreno de nariz afiado como uma espada. Tirou a capa e as luvas e a olhava com serena intensidade.
— Onde está a senhorita Crane? —sussurrou Grace, puxando nervosamente os punhos ensangüentados de sua bata—. Deveria… deveria me trocar e ir em sua busca.
O vice-comissário desviou o olhar.
— Dou-lhe meus mais sinceros pêsames, senhorita —repetiu. — Os baús e as malas que há no corredor… entendo que são deles.
Grace umedeceu os lábios e sentiu o sabor do conhaque, que não recordava ter bebido.
— Sim, ia a casa de minha tia —conseguiu dizer. — Para que Ethan, o senhor Holding, mandasse o anúncio aos jornais manhã.
— O anúncio? —Entreabriu os olhos. — De seu compromisso?
— Sim. — Sua voz quebrou. — Seu ano de luto havia… tinha acabado.
E o seu acabava de começar, de novo.
—Temo, senhorita —acrescentou ele— que não posso permitir que leve a bagagem esta noite.
—Esta noite? —Grace piscou. — Mas…
Surda aos sussurros e aos passos apressados que foram e vinham pelo corredor, Grace Gauthier levantou suas mãos e as olhou com desapaixonado atordoamento a olhou para elas com um deslumbrante desapontado com a luz cintilante das lâmpadas. Tinha a sensação de que seus dedos e palmas, e até os punhos rasgados de sua túnica, pertenciam a outra pessoa.
Do outro lado do corredor chegavam sussurros cautelosos.
— Está atordoada pela impressão, verdade?
— Sim, e ele morreu assim que caiu no chão.
Grace estremeceu.
Ele sofreu? Tomara que não. Baixou as mãos, fechou os olhos e se recostou contra a parede da sala para deixar de tremer, mas em seguida compreendeu que o tremor lhe vinha de dentro, dos mesmos ossos, e que não seria fácil pará-lo.
Em alguma parte, no piso abaixo, soluçava uma mulher. Ela também deveria estar chorando. Por que não chorava? Por que não conseguia entender tudo aquilo?
— Senhorita Gauthier?
Aquela voz que assassinou seu nome, lhe chegou de muito longe, mas Grace não se alterou. Sentia — se como se estivesse em um túnel, muito, muito longe daquele silencioso caos. Mas não o estava. Estava ali, Ethan tinha morrido e tudo aquilo lhe pareceria de repente espantosamente real. Os longos meses que tinha passado nos campos de batalha do norte da África tinham-lhe ensinado que o atordoamento ante a morte não era mais que um alívio passageiro.
— Senhorita? —repetiu aquela voz.
Uma voz inglesa, mas não cultivada. Tampouco como a do Ethan, entretanto. Desprovida da dureza e o aprumo da voz de um homem que fez a si mesmo.
— Sim? —disse e se obrigou a abrir os olhos.
Uma mão cálida e grosa se deslizou sob seu cotovelo.
— Lamento, mas tem que me acompanhar à biblioteca, senhorita.
Separou-se da parede e avançou com ele pelo corredor como um autômato. Como se chamava? Havia dito a ela quando entrou no escritório de Ethan, aquele homem largo e corado que a segurou firmemente pelo cotovelo. E repetiu quando a tirou do cadáver, com uma voz suave e reconfortante, como se estivesse falando com uma garota.
Ou com uma mulher louca.
Mas seu nome lhe escapou, juntamente com todas as suas esperanças.
A puxou rapidamente para o escritório, onde vários homens de uniforme azul e botões metálicos falavam em voz baixa, e a fez descer pela ampla escada, onde a corrente que entrava pela porta aberta agitou as saias de seu roupão. Os soluços procedentes do interior da casa se converteram em um desumano gemido de aflição.
Ela vacilou, o corrimão da escada era frio como o corpo do Ethan sob sua mão.
— Deveria ir —murmurou— Devo ver Fenella… à senhorita Crane.
Mas o homem a ignorou.
— Só um par de perguntas mais, senhorita —disse sem afrouxar o passo — logo poderemos…
Interrompeu-se ao ver aparecer outro homem. O quarto, pensou Grace. Ou o quadragésimo, possivelmente. Estava tão aturdida que não tinha idéia.
Mas, a diferença dos outros, aquele não levava uniforme. Ia elegantemente vestido, para ir ao teatro. Com a capa negra agitando-se ao redor de seus tornozelos, materializou-se como um espectro entre a névoa de Londres, subiu os degraus e, tirando as finas luvas de pelica, cruzou a porta aberta como se fosse o dono daquela casa e de tudo que havia nela.
O absurdo de tudo ameaçou mergulhar Grace em histeria. Ethan morreu em um poço de sangue, atrás de sua mesa, em sua própria casa. E o resto de Londres continuou assim? As pessoas ainda foram ao teatro?
O recém-chegado caminhou com entusiasmo pela pilha de malas no lobby e se dirigiu para elas. Seus passos ecoaram energicamente no belo piso de mármore.
— Boa noite, vice-comissário.
O homem que escolta Grace permaneceu firme enquanto colocava o chapéu alto debaixo do braço.
O recém-chegado parou a poucos passos de distância deles e rapidamente olhou para Grace.
— Boa noite, Minch. Esta é senhorita Gauthier?
Pronunciou seu nome impecavelmente, Go-tié, como se fora francês de nascimento.
— Sim, senhor —disse Minch—. O capitão informo-lhe?
— Não foi preciso. O próprio Sir George considerou conveniente arrastar-me para fora da ópera.
O homem, o comissário ou o que quer que fosse, inclinou a cabeça para olhar nos olhos dela. — Meus mais sinceros pêsames, senhorita. Entendo que o falecido era seu noivo.
Grace tentou segurar seu olhar, mas estava frio como gelo.
— Oui, eu… nós… tínhamos… —de repente, uma quebra de onda de pena e horror esteve a ponto de afogá-la. — Tinhamos um acordo.
O recém-chegado assumiu o controle da situação.
— O sargento Minch nos acompanhará ao salão, onde podemos falar em privado —disse— Se tiver a bondade de acompanhá-lo…
Era a primeira indicação que lhe davam que não soava como uma ordem marcial. Soava, em realidade, como algo muito mais perigoso que isso. O vice-comissário a agarrou pelo braço e um instante depois Grace se achou sentada na poltrona favorita da Fenella, junto à chaminé, com uma taça de conhaque na mão.
— Beba-lhe senhorita.
Passado um tempo, levantou o olhar e viu que estava a sós com aquele homem moreno de nariz afiado como uma espada. Tirou a capa e as luvas e a olhava com serena intensidade.
— Onde está a senhorita Crane? —sussurrou Grace, puxando nervosamente os punhos ensangüentados de sua bata—. Deveria… deveria me trocar e ir em sua busca.
O vice-comissário desviou o olhar.
— Dou-lhe meus mais sinceros pêsames, senhorita —repetiu. — Os baús e as malas que há no corredor… entendo que são deles.
Grace umedeceu os lábios e sentiu o sabor do conhaque, que não recordava ter bebido.
— Sim, ia a casa de minha tia —conseguiu dizer. — Para que Ethan, o senhor Holding, mandasse o anúncio aos jornais manhã.
— O anúncio? —Entreabriu os olhos. — De seu compromisso?
— Sim. — Sua voz quebrou. — Seu ano de luto havia… tinha acabado.
E o seu acabava de começar, de novo.
—Temo, senhorita —acrescentou ele— que não posso permitir que leve a bagagem esta noite.
—Esta noite? —Grace piscou. — Mas…
Série A Sociedade de St. James
1 - Tocada pelo Escândalo
2 - O Vestido da Noiva
3 - As Pérolas da Noiva
4 - Não Traduzido
1 - Tocada pelo Escândalo
2 - O Vestido da Noiva
3 - As Pérolas da Noiva
4 - Não Traduzido