A bela Grace Paget não tem motivos para duvidar destas palavras. Afinal de contas a sequestraram por engano, levaram-na a uma casa perdida no campo e lhe disseram que deveria satisfazer todos os desejos deste homem ou perderia a vida. Entretanto, nos olhos dele havia algo que a incitava a duvidar: possivelmente não seja tão cruel como quer parecer.
Encerrado como um prisioneiro e tratado como um louco por toda a sociedade, Sheene faria qualquer coisa para recuperar sua vida. Mas a sensualidade de Grace foi interposta em seus objetivos. Apesar de achá-la irresistível, estava horrorizado em retê-la contra sua vontade. Juntos deverão rebelar-se contra as singulares circunstâncias que os uniram. Só então Grace se atreverá a iniciar o jogo da sedução, terna e intensa.
“Uma alma torturada que renascerá com o jogo do amor”
Capítulo Um
Somerset, 1822
— Esta moça não é como as demais prostitutas.
Aquele homem tinha um sotaque tão forte de Yorkshire que devolveu à consciência a Grace, o qual resultou ser uma agonia. Mesmo com a dor palpitante que sentia na cabeça, reconheceu o sotaque de sua terra.
Se era verdade que tinha voltado para a granja, em Ripon, por que seu estômago se retorcia de dor? Por que era incapaz de mover as mãos ou os pés? O medo lhe gelava o sangue e a voz lhe falhava, gélida, na garganta.
“Recorda, Grace, recorda”.
Ao tentá-lo, entretanto, apenas topava com um espesso muro de escuridão.
— Homem, claro que é uma prostituta! — insistia outro homem a seu lado — O que andava procurando no mole se não for uma maldita prostituta? Você a ouviu, perguntou como chegar ao Cock and Crown. Asseguro que quão único procurava era enrolar a algum qualquer com carteira nos bolsos.
Uma prostituta? Não podia ser que estivessem falando dela. A confusão girou na névoa de seus pensamentos. Como podia alguém tomar a respeitável Grace Paget por uma mulher que vendia seu corpo nas ruas?
O instinto refreou seu protesto. Algo lhe dizia que era essencial que aqueles aterradores desconhecidos acreditassem que ainda estava inconsciente. Manteve os olhos fechados, se protegeu contra a persistente dor de cabeça e se obrigou a raciocinar apesar de ter a mente entorpecida.
Um gotejamento de detalhes aleatórios filtrou-se através de sua consciência, o mais estranho era que já era dia. A luz lhe perfurava as pálpebras, que mantinha ainda fechadas. Estava atada com umas correias a uma espécie de banqueta acolchoada, deitada de barriga para cima, com os braços dos lados. Tinha os pulsos e os tornozelos amarrados com ataduras resistentes e lhe cruzava o peito outra cinta grossa que oprimia a respiração.
Em um instante de extremo sufoco, pareceu-lhe que a cinta mais larga estava tão ajustada que lhe impedia de respirar. Sentiu que ia desmaiar por falta de ar. O suor alagou sua pele e lhe impregnou até os ossos, por muito que na estadia não fizesse frio absolutamente.
Entretanto, permaneceu em silêncio, calada como uma tumba.
Invadiram-na perplexas lembranças de violência e ameaças que lhe levavam às náuseas e o enjoo. O caos ocupou seus pensamentos; o caos e um pavor frenético.
Obrigou-se a respirar para escapar daquele pânico asfixiante. Onde estava? Ao não poder contemplar a cena, limitou-se a acumular impressões incoerentes. Não ouvia nenhum som de tráfico. Devia estar em uma moradia campestre ou, ao menos, em um bairro tranquilo da cidade. Tudo era odor de homens fedorentos misturado com um incongruente toque primaveril, repleto de aromas florais.
O primeiro homem produziu um ruído duvidoso do fundo de sua garganta.
— Custa-me imaginar que uma prostituta se deixe ver vestindo esses trapos negros. Além disso, leva aliança.
Seu parceiro soltou uma gargalhada.
— Talvez seja carne fresca, amigo Filey. Ou melhor a aliança é para enganar. Os ricaços que vão ao Cock and Crown adoram estas coisas. E se for novata, melhor ainda. Lorde John nos disse que lhe levássemos uma cadela de aspecto agradável e limpa, não uma velha resmungona e murcha.
À mulher embargou a incredulidade e o asco. Grace era toda uma dama. Uma dama com roupas desfiadas e buracos nos sapatos, mas isso dava igual. As pessoas a tratava com respeito e boa atitude. Os homens não se aproximavam da decente senhora Paget para um fornicar rápido entre uns arbustos.
Claro que, se aqueles animais se incomodaram em sequestrá-la, certamente quereriam algo mais que um breve fornicar.
Tê-la-iam violado enquanto estava inconsciente?
“Ai, Meu Deus, rogo-lhe isso. Se me houverem tocado aproveitando minha inconsciência, não poderei suportá-lo.” Não notava nada estranho na disposição de seu esfarrapado vestido sobre seu corpo. Era difícil assegurá-lo sem mover-se, mas parecia estar ilesa.
No momento.
Não obstante, o que aconteceria a seguir? De repente lhe assaltou uma visão aterradora em que aqueles malfeitores a violavam uma e outra vez. Subiu-lhe à boca uma onda de bílis. Cada vez lhe custava mais permanecer calada, quando todos os nervos do corpo se esticavam para gritar, lutar e espernear.
Igual tinha lutado e esperneado quando a tinham raptado no Bristol.
“Agora sim, agora me lembro. Lembro-me de tudo.”